sábado, dezembro 31, 2005

ABUSO SEXUAL INFANTIL (II)

A parte honrosas exceções, minha mensagem sobre “ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA” produziu uma enxurrada de comentários e imeils me acusando de estar propagando a pedofilia e o abuso sexual de crianças, havendo, inclusive, quem me ameaçasse denunciar ao Conselho Regional de Psicologia.
Achei esse tipo de reação bastante instrutiva porque pôs às claras como é deficiente o nível de alfabetização em nosso país. Como, talvez, alguns desses semi-analfabetos tenham possibilidade de recuperação, vou repetir a essência do que eu disse de uma maneira mais palatável. Desculpem, “mais palatável” não vai dar para semi-analfabetos compreenderem: substituamos por “mais explicadinha”. Vamos lá.
Primeiro: um elemento essencial para o sucesso de uma relação terapêutica profunda é a neutralidade do analista;
Segundo: neutralidade, aqui, não significa “indiferença afetiva”, significa “capacidade de ouvir” qualquer tipo de fala proveniente do paciente: que quer matar a mãe, gosta de comer barata, de ter relações anais com porteiros e que adoraria se casar com o papa. Quem não é capaz de ter essa amplitude de escuta, não deveria ser psicanalista, deveria lavar roupa, ser alpinista, ornintólogo ou quejandos.
Terceiro: se comer barata, casar com o papa etc. é um interdito moral, ético, cultural, jurídico são assuntos relevantes, mas não para justificar a SURDEZ de um terapeuta ou de outros profissionais que trabalham com seres humanos;
Quarto: em quarenta anos de prática clínica, recebi vários pacientes que não conseguiram se livrar de seus sintomas em terapias anteriores porque quem os atendeu era SURDO para o fato de que esses pacientes, em sua infância, tinham TIDO PRAZER nos jogos sexuais que mantiveram com adultos;
Quinto: quando encontraram um terapeuta suficientemente pouco preconceituoso e hipócrita para, com neutralidade, ouvi-los falar sobre esse prazer, desembaraçaram-se de seus sintomas.
Sexto: o dito acima não implica fazer propaganda de pedofilia nem de que se abuse sexualmente de criancinhas. Fui mais palatável? Ou, em respeito aos semi-analfabetos, “mais explicadinho”?

terça-feira, dezembro 13, 2005

ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA

Há uma absurda quantidade de preconceitos e de hipocrisia na maneira com que a maior parte do “establishment” lida com a questão do chamado “abuso sexual na infância”. Tenho suficiente experiência clínica – atuando há cerca de quarenta anos não só como psicoterapeuta como enquanto supervisor de outros psicoterapeutas – para estar absolutamente convencido de que a maioria esmagadora dos que lidam com a matéria – familiares, juristas, psico-coisas (psiquiatras, psicólogos, psicoterapeutas,.psicanalistas et caterva), assistentes sociais etc. não são capazes de diferenciar os dois grandes sub-conjuntos de episódios que compõem o que se convencionou chamar de “abuso sexual na infância”. Tal experiência ensinou-me simplesmente o seguinte: se nos aproximamos do tema de maneira suficientemente isenta, descobriremos não só o tipo de abuso universalmente reconhecido – aquele em que a criança é a real vítima de uma arremetida sexual desagradável, desrespeitosa e violenta – como também o praticamente não reconhecido em que a abordagem sexual de um adulto em relação a uma criança foi, para essa última, agradável, respeitosa e gentil. Creio ser suficientemente neutro em minha avaliação dos fatos, para que várias pacientes me tenham relatado que foram, em sua infância, sexualmente abordadas por adultos e que, embora obrigadas pelas circunstâncias a manter segredo (o que é suficiente para produzir fixação e trauma, como exponho em meu livro “A Nova Conversa”), adoraram isso! Algumas dessas pacientes (e, por agora, estou deixando os meninos de lado), chegaram a me relatar que tinham aqueles momentos como um oásis de prazer e de carinho dentro de um contexto em que se sentiam de todo abandonadas. Pelo menos duas dessas pacientes relataram como, ao ser bolinadas – uma pelo tio, outra pelo pai – ficavam ansiando pela penetração do pênis em suas vaginas. Uma jamais externou esse desejo a seu “abusador”; a outra pediu explicitamente ao pai que a penetrasse, o que o deixou em pânico, parando de sexualmente abordá-la. Agora, reflitamos um pouco, aproveitando, para análise, a experiência da primeira. Descobriram que o tio a bolinava. O escândalo foi absoluto e o tio foi execrado, enquanto todos os familiares descreviam a menina como “coitada”, “coitada”, “coitada” (imagino que a maioria de meus leitores saibam que o termo “coitado” vem de “coito”)! Alguém acredita que, em tais circunstâncias, uma criança de 10 anos tivesse condições psicológicas para declarar: — “Pessoal, eu não sou nenhuma vítima! Eu estava gostando! Só fiquei chateada porque ele não teve coragem de enfiar o pau dele em mim!”? Um pouco difícil, não? Tal declaração, quando chega a acontecer, só pode ser feita, via de regra muitos anos depois, a um psicólogo que não seja preconceituoso nem hipócrita!

quinta-feira, dezembro 08, 2005

LOGANALISE E A CULTURA DO BEM-ESTAR

Impressiona-me como é pouco explorada, na literatura das chamadas Ciências Humanas a gritante relação entre: (a) o aparecimento da Psicanálise (b) a gradual mudança da natureza da cultura, marcante a partir do séc. XIX e (c) o contínuo aumento, nos últimos quinhentos mil anos, da expectativa de vida do gênero humano sobre este conturbado planeta. Então, vejamos:
A expectativa média de vida do Homo Erectus, o mais antigo representante de nosso gênero, era de cerca de quinze anos; seu descendente, o Homo Sapiens, podia, na Grécia Clássica, esperar viver vinte e cinco; na Europa do século XVIII, trinta e cinco; na do século XX, setenta. Levamos quinhentos mil anos para elevar a expectativa de vida de quinze para vinte e cinco anos; dois mil anos para alçá-la de vinte e cinco a trinta e cinco; duzentos, para promovê-la de trinta e cinco a setenta!
Se levamos em conta que esse aumento de nossa expectativa de vida foi obtida através de uma cultura,-- chamá-la-ei de cultura de sobrevivência — cuja tarefa maior foi proteger o organismo humano de suas causae mortis,-- sede, fome, calamidades naturais, doenças, etc. — mas que, mesmo protegido desses agentes letais, o corpo humano tem uma obsolescência natural, que ocorre após algo mais do que cem anos de vida, veremos que, entre todos os séculos, o século XIX — que, como unidade histórica merece ser visto estendendo-se da Revolução Francesa (1789) ao fim da Segunda Guerra Mundial (1945) —ocupa um lugar especial. É um verdadeiro divisor de águas, um turning point antropológico: século nenhum, antes ou depois dele, terá presenciado a expectativa de vida do ser humano dar salto maior na direção daquele ponto em que deixar de viver é um estágio natural da própria vida.
Esse estrondoso aumento da expectativa de vida ocorrido em torno à "charneira antropológica" representada pelo século XIX gerou uma profunda alteração na natureza da cultura: já sabemos, em boa medida, nos manter vivos até os limites permitidos por nossa própria natureza... Mas, em nos mantendo vivos, sabemos viver bem?
Para que isso ocorra, ao lado da tecnologia de uma cultura de sobrevivência, cumpre, inexoravelmente, que se desenvolva a tecnologia de uma cultura de bem-estar.
Parece-me, por vezes, que poucos se dão conta de que a Psicanálise,-- significativamente surgida no turning point do século XIX — representa a primeira grande tentativa de se produzir uma tal tecnologia e de como essa tentativa, representante de um novo tipo de cultura, abastardou-se nos entrechoques com o tipo de cultura que a precedeu.
O grande abastardamento ocorreu, coerentemente, sobre a maior contribuição de seu fundador, Sigmund Freud, para a construção dessa nova cultura, uma cultura que, garantida a sobrevivência, começa a ocupar-se do prazer.
Essa contribuição maior pode ser resumida em uma única frase — "Repressão causa neurose" —- e, se desejamos de fato construir essa nova cultura, é essencial que entendamos não só porque essa contribuição é "maior", mas também, como foi abastardada.
No que diz respeito à doença mental, "psicose" é a preocupação básica de uma cultura de sobrevivência; "neurose", a de uma cultura de bem-estar. Isto porque a psicose, muito mais do que a neurose, atinge o sujeito de uma forma que põe em risco sua vida e a dos demais. A neurose, muito mais facilmente do que aquela, pode ser compatível com a manutenção da vida, embora, claramente, interfira sobre o usufruto de seu prazer. Conseqüentemente, a psiquiatria do séc. XVIII ocupava-se, centralmente, da psicose, ameaça à sobrevivência, enquanto Freud, em pleno século XIX, desloca a atenção da psiquiatria para a neurose, ameaça ao prazer, revelando-se como representante da nova ordem cultural.
Focada a neurose, grande problema para uma cultura de bem-estar, o criador da Psicanálise identifica a sua causa: a repressão. E aqui vem o abastardamento, iniciado pelo próprio Freud (que, na verdade, era um produto híbrido dos dois tipos de cultura em pauta) e completado ao longo dos cem anos de história da Psicanálise.
O abastardamento — que tem impedido, até hoje, que a Psicanálise cumpra sua função de dar solidez a essa nova cultura — se fez em torno de substituir-se o conceito de repressão como recalque pelo conceito de repressão como contenção. Explico-me:
Recalque é um mecanismo psicológico que impede que um determinado sujeito dê às suas experiências internas — sensações, emoções, desejos, etc. — acesso à expressão verbal. Recalcar um sujeito, portanto, é impedir que ele represente verbalmente suas reações internas, por exemplo, a uma limitação de sua ação.
Contenção é o impedimento a que um sujeito execute uma ação não verbal.
Ora, a afirmação legitimamente psicanalítica é a de que recalque — seja, impedir que um sujeito expresse verbalmente seus estados psicológicos — gera neurose. Na medida em que — mormente através do contato com a mentalidade essencialmente behaviorista dos Estados Unidos — passou-se a entender repressão como sinônimo de contenção — seja, bloqueio de uma ação não verbal — conseguiu-se neutralizar toda a utilidade da fórmula psicanalítica original e, de passagem, destruir-se a imagem da Psicanálise, sufocando-se na origem seu imenso potencial como um poderoso instrumento de política sanitária.
Sustentada popularmente por uma pseudo-Psicanálise, a absurda proposta de que não contenhamos uns aos outros para evitarmos a criação de neuróticos, não só é imprópria para que se evite a geração de neuróticos: ela é maquiavelicamente eficaz na produção de uma multidão infindável de toxicômanos e psicopatas.
Algumas tribos primitivas, em tempos de paz, sem outras ameaças e em vista da simplicidade de sua organização econômica e social, vivem como iguais, sem qualquer hierarquia; mas, em tempos de guerra ou de outras calamidades, elegem um chefe — o chefe-da-guerra — a que todos os demais devem obediência e submissão. Com efeito, a cultura de sobrevivência, própria às condições em que existe grande ameaça à vida, tende a estruturar-se como uma sociedade de chefes absolutos que comandam uma massa de súditos uniformizada e sem grande direito à auto-expressão (= sub-ditos); a cultura de bem-estar, própria às situações de menor perigo, tende a estruturar-se como democracia, em que indivíduos bastante diferenciados são senhores de seu próprio discurso, embora aceitando limites cabíveis para sua liberdade de ação.
O sucesso da cultura de sobrevivência em, após quinhentos mil anos de lutas, quintuplicar a expectativa de vida do organismo humano sobre este planeta, levando-a ao limite do que seria sua obsolescência natural, permitiu, caracterizadamente durante o século XIX, o brotar de uma nova cultura, a cultura do bem-estar, sendo a Psicanálise o primeiro instrumento científico adequado para a implementação e suporte dessa nova cultura.
Entretanto, para que ela possa cumprir o seu papel, é necessário que a entendamos como uma Loganálise, uma libertação do discurso — da voz e do voto, como na melhor contribuição do século XIX para as instituições políticas — e não como uma proposta behaviorista, que vê como instrumento de saúde uma liberdade de ação que só pode caracterizar a lamentável anarquia de uma sociedade sem leis.
Esta Psicanálise essencialmente loganalítica é a única capaz de dar fundamento a uma nova filosofia para literatura de auto-ajuda, até agora absolutamente monopolizada por variações que se pretendem modernas da velhíssima “psicologia do pensamento positivo”, perfeita para os parâmetros de uma cultura de sobrevivência, mas absolutamente inadequada para os da cultura de bem-estar cujos caminhos, felizmente, já começamos a percorrer.

LÁPIDE

Esta é a frase que eu gostaria de ter inscrita na lápide de minha sepultura: "QUANDO MORREU, AINDA ESTAVA VIVO"

terça-feira, dezembro 06, 2005

NOTAS FILOSÓFICAS (VI): HOMENS, FORMIGAS E PETÚNIAS

O famoso moto humanista - "O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS" - não sofreu as modificações que lhe exigiria o relativismo de Einstein, que o transmudaria em "PARA O HOMEM, O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS", permitindo uma produção interminável de análogos motos, como, por exemplo, "PARA A FORMIGA, A FORMIGA É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS", "PARA PETÚNIAS, AS PETÚNIAS SÃO A MEDIDA DE TODAS AS COISAS" etc., etc., etc.
Com efeito, por que razão haveriam os homens achar que a medida de todas as coisas são as formigas, as petúnias achar que são as tulipas e os elefantes achar que são os jacarés?
Esse mundo!

quinta-feira, dezembro 01, 2005

POEMETO

Tenho nojo dessa gente
Que se comporta sempre bem,
Só por causa de um medo
Que nem sabe que tem.