domingo, novembro 25, 2007

SINCRONICIDADE

Foi solicitado, em minha comunidade Orkut, que eu desse minha opinião sobre o conceito de SINCRONICIDADE, se possível de um ponto de vista não místico, mas científico.

Minha primeira aproximação do problema seria a seguinte: só considero científicas afirmações que passíveis de ser lógica e/ou empiricamente DESCONFIRMÁVEIS.

Como não consigo imaginar nenhuma operação lógica e tampouco nenhuma verificação empírica capazes de REFUTAR a hipótese da sincronicidade, considero essa hipótese simplesmente como ESTRANHA AO CAMPO DA CIÊNCIA.

sábado, outubro 20, 2007

COMO ESTRAGAR UM POEMA

Saído de um surto psicótico, um de meus pacientes mostrou-me o seguinte poema:

"Quando não mais existir
A angústia
Poderei calçar meus sapatos

Quando existir
O esforço necessário
Farei do contrário
O reforço de mim.

Quando ultrapassar
A verdade obscura
Saberei que fui eu
Quem escreveu o poema.

Quando atravesso
A verdade inesgotável
Refaço a mim mesmo
Como um caco de vidro.

Querem ver como uma interpretação psicanalítica do poema, não obstante o quanto correta, pode destruir toda sua força estética? É fácil:

"Quando não mais existir / A angústia / Poderei calçar meus sapatos" = quando eu me livrar da angústia que me paralisa, poderei seguir em frente na minha vida.

"Quando existir / O esforço necessário / Farei do contrário / O reforço de mim." = Quando eu tiver forças para seguir em frente, os obstáculos serão um estímulo para que eu busque o meu caminho.

"Quando ultrapassar / A verdade obscura / Saberei que fui eu / Quem escreveu o poema." = Quando eu puder encarar de frente a verdade de quem eu sou, poderei assumir que sou o sujeito de meus atos.

"Quando atravesso / A verdade inesgotável / Refaço a mim mesmo / Como um caco de vidro." = E quando reconheço o que sou, reconheço o quanto estou dilacerado.

Viram como uma interpretação psicanalítica pode tirar a graça de um poema?

quarta-feira, outubro 10, 2007

FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA DEMOCRACIA

Fundamentos Psicológicos da Democracia


Causa espécie, mas existe um fato candidato à posição de o mais significativo, dentre todos, para a história humana. O fato a que me refiro é a assombrosa ACELERAÇÃO DA EXPECTATIVA de vida ocorrida nos últimos duzentos anos.
Se causa espécie podermos apontar um único fato como o mais importante, entre todos, para o humano, mais espécie causa ainda quão pouco esse fato tem sido aproveitado para a compreensão das viscerais transformações ocorridas, por conta dele, na natureza da cultura.
Com o fito de preencher essa lacuna, lancemos mão de uma lei psicológica, tão inescapável quanto qualquer lei da Física, qual seja: “Redução de ameaça gera descentralização dos processos decisórios”. Certas coletividades primitivas, que só elegem chefe, e a ele obedecem, em situação de guerra, são o exemplo mais gritante dessa lei.
Ora, o salto, em duzentos anos, nos países chamados desenvolvidos, de uma expectativa de vida de trinta e cinco anos (século XVIII) para uma de mais de setenta (século XX), queiram ou não os profetas do caos, implica, de forma inescapavelmente concreta, uma redução radical e inédita do nível de ameaça a que está concretamente sujeito o indivíduo humano, o que, segundo a lei psicológica supra-exposta, nos levaria a prever a ocorrência de uma maciça descentralização dos processos políticos ao longo do período em pauta.
Com efeito, se observarmos os anos que medeiam duas datas de inegável carga simbólica – 1789, Queda da Bastilha, e 1989, Queda do Muro – período que, por representar um verdadeiro “turning-point” antropológico, chamarei de “Os Grandes Duzentos” – veremos que, antes deles, eram regra as autocracias, hereditárias ou ideológicas, e, depois deles, as democracias, republicanas ou não.
A relação entre medo e centralização decisória é – de forma ora mais, ora menos, consciente – parte do conhecimento psicológico de todos nós. Qualquer ditador sabe como seus propósitos centralizadores são favorecidos pelo perigo e, se esse último cai por demais, ocupa-se imediatamente de tentar reintroduzi-lo, como recurso para se perpetuar no poder. Episódios de nossa história, como o da bomba no Rio-Centro e a igualmente frustrada tentativa de explodir o gasômetro, são exemplos disso e até o inocente papai ou mamãe que acena ao filho com o “bicho-papão” não está mais do que operando a partir de iguais premissas e propósitos.
Ocorre, no entanto, que, a parte as tentativas dos autocratas de manter um nível de perigo que os sustente no poder, a própria descentralização, operada sem obediência a certas condições, é capaz de re-introduzir o perigo, provocando novo ciclo centralizador: alegres “porres” democráticos são, freqüentemente, patrocinadores de tristes “ressacas” reacionárias e o exemplo mais próximo e exuberante disso foi o período de conservadorismo político-ideológico que se fez seguir ao clímax libertário de 68. De forma lamentavelmente irônica, os Charles De Gaulle e os Richard Nixon, são eternos beneficiários dos Jimmie Hendrix e das Jane Joplin...
Mas retornemos à linha básica de nossa argumentação. Se nenhum cataclismo planetário nos remeter globalmente de volta a níveis de expectativa de vida anteriores ao dos Grandes Duzentos, podemos, amparados na lei psicológica supramencionada, prever que o PROCESSO DESCENTRALIZADOR (1) veio para ficar e (2) está longe de se haver completado. Isso posto, seria de indiscutível bom alvitre que (3) tivéssemos clareza sobre quais são as condições necessárias para que essa transição possa ocorrer da maneira o menos dolorosa possível e que (4) alguma teoria nos ensinasse o que deve ser feito para que essas condições sejam preenchidas.
Quanto às condições necessárias para que o inevitável processo de descentralização apresente uma boa relação custo-benefício, elas, na verdade, resumem-se a uma só: se parcelas anteriormente centralizadas de poder decisório estão e continuarão sendo, cada vez mais, distribuídas pela massa dos indivíduos que compõem cada sociedade, a condição de sucesso dessa descentralização é a elevação da qualidade da capacidade decisória desses indivíduos.
Estabelecida a condição, cumpre, contudo, saber implementá-la. Temos, no armazém das ciências humanas, alguma teoria que nos oriente sobre como fazê-lo? Bem, teríamos... “Teríamos”? Somos, aqui, remetidos a um velho e bom dito de Oscar Wilde: “Os remédios dos homens são contaminados pelas próprias doenças que pretendem curar”. A teoria capaz de nos oferecer suporte científico para patrocinar um desdobramento azeitado do processo de descentralização foi gerada no coração dos Grandes Duzentos, período em que a luta entre forças centralizadoras e descentralizadoras chegou a seu ápice. Assim sendo, essa teoria terminou por tornar-se vítima do próprio processo antropológico-cultural que a gestou: a divulgação de suas descobertas foi de tal forma distorcida que ela se tornou inútil, quando não deletéria, para administrar a transição descentralizadora. Examinemos isso:
A doença mental é, em sua essência, uma disfunção dos processos decisórios. Se o sucesso da democracia depende do bom funcionamento desses processos, é rasteiro exercício dedutivo concluir que os regimes políticos descentralizados, como garantia de sua própria sobrevivência, devem ter como meta prioritária o combate à doença mental, a maior corruptora dos processos psicológicos de que devem se alimentar tais regimes. Essa afirmação exige ser qualificada.
As sociedades anteriores aos Grandes Duzentos – e todas aquelas que, ainda hoje, apresentam expectativas de vida características daquela época – organizam-se de acordo com o que chamei de “culturas de sobrevivência”: culturas politicamente centralizadas, aguerridas e, conseqüentemente, dominadas pelo macho, marginalizadoras do fraco, exaltadoras do sacrifício e da obediência. As posteriores àquele período – e que conseguiram duplicar, ou quase, sua expectativa de vida – começaram a organizar-se de acordo com a matriz antropológica a que denominei de “culturas de bem-estar”: politicamente descentralizadas, cooperativas, integradoras do feminino e do desvalido, valorizadoras da autonomia e do prazer.
Por que a Psiquiatria do século XVIII, manifesta expressão de uma “cultura de sobrevivência”, volta-se para a psicose e mal se interessa pela neurose, enquanto a do século XX – posterior à “pororoca antropológica” a que me venho referindo e fruto dos primeiros passos de uma “cultura de bem-estar” – reconhece a importância dessa última? A resposta é simples: a disfunção psicótica é suficientemente grave para perturbar até a função psicologicamente primária de reproduzir e obedecer, alto valor para uma “cultura de sobrevivência”, enquanto o neurótico, razoavelmente capaz de desempenhar tal função primária, apresenta principalmente atingidas a qualidade de sua autonomia decisória e a sua capacidade de ser feliz, traços centralmente relevantes apenas para sociedades que ascenderam a uma “cultura de bem-estar”. Disse, acima, que “teríamos” uma teoria capaz de nos oferecer suporte científico para patrocinar um desdobramento azeitado do processo de descentralização. Já nos encontramos aparelhados para desvendar esse “teríamos”.
Produto típico do divisor-de-águas antropológico representado pelos Grandes Duzentos e operacionalizadora da “Umwertung aller Werte” (transmutação de todos os valores) que havia sido trovejada por Nietzsche, a Psicanálise anunciou, bem a meio daquele período, sua descoberta essencial: repressão causa neurose. Ora, sendo a neurose a mais universalmente difundida causa de perturbação dos processos decisórios, essa teoria deveria ter servido para orientar as políticas de saúde com o objetivo de alçar o nível de capacidade decisória da população. E serviu? Não. Por quê? Por que, como sugerimos acima, o conceito de repressão foi, ao ultrapassar os limites do meio profissional onde foi gerado (e, em certa medida, mesmo dentro dele), de tal forma distorcido que se tornou inútil para cumprir a tarefa a que, por vocação, se destinava.
Com efeito, todo – sublinhem-se que eu disse todo – o cidadão comum (e alguns profissionais) a quem, até hoje, perguntei o que era “repressão”, “reprimir”, “reprimido”, etc. responderam-me com alguma variação da afirmativa de que reprimir é “impedir que alguém faça algo que está querendo fazer”. Esse tipo de compreensão, aplicado à afirmação freudiana – supostamente científica e, portanto, supostamente útil – de que “repressão causa neurose”, transforma-a na gloriosa asneira de afirmar que, para que uma pessoa não fique neurótica, é necessário que se permita a ela fazer o que bem entende. Não é difícil prever que uma política de saúde mental assentada sobre tal compreensão deformada do conceito nos levaria, fatalmente, a múltiplos e orgásticos 68s, a múltiplos e lamentáveis óbitos por overdose e a múltiplos – e não de todo injustificados! – governos conservadores, por reação. Como é de conhecimento público, essa desastrosa distorção do mais fundamental dos conceitos psicanalíticos já deu fundamento a pedagogias que transformaram crianças em pequenos monstros e a tratamentos pseudopsicanalíticos que confundiram saúde com falta de educação. Quando não pior...
Deixemos isto claro: permitir, na área psicológica, que repressão seja entendida – como vem sendo até agora – com “não poder fazer” é algo tão criminoso quanto seria, na área médica, permitir à população confundir micróbios com vitaminas. Faz-se mister que os profissionais da área da saúde mental iniciem uma ação concertada e sistemática para reparar a inércia com que têm aturado tal destruição da mais importante descoberta psicológica do século XIX. Todo “blá-blá-blá” atual relativamente à crise da Psicanálise nos seria poupado, se se entendesse que a verdadeira raiz dessa crise é a insidiosa degradação do conceito de repressão, que, corretamente entendida, nada mais é do que a impossibilidade de expressarmos verbalmente o impacto que os estímulos internos e externos tem sobre nós.
A restrição da representação de nossa experiência em nível verbal acaba produzindo uma restrição de nossa inteligência, o que fatalmente atinge a qualidade de nossos processos decisórios. Dessa disfunção decisória, através de mecanismos psicológicos bem definidos, nascem todos os outros sintomas da neurose: obsessões, compulsões, fobias, conversões, etc., etc..
A liberação da palavra, contudo, também tem suas regras, mas regras suficientemente claras e simples para poderem ser postas ao alcance da população de forma a permitir que a Psicanálise saia dos consultórios e atinja seu verdadeiro objetivo, que é o de ser um agente catalisador do processo democrático, micro e macropoliticamente. Até o momento em que isso ocorra, a população, ávida de orientar-se em um mundo em que as regras de conduta não mais se resolvem por “tábuas da lei”, continuará a entupir-se de uma literatura de auto-ajuda dividida entre uma Psicologia do Faz-de-Conta que nos propõe acreditarmos estar bem, quando estamos mal, e uma Psicanálise interpretativo-masturbatória, que tudo explica, mas pouco soluciona.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Profissão: PSICÓLOGO.

O número 20 da revista PSIQUE, atualmente nas bancas, traz matéria intitulada "Profissão: Psicólogo". Dada o grande potencial de utilidade das informações ali contidas para os que pensam em abraçar essa profissão, passo a destacar, por etapas, as mais relevantes dentre elas, comentando algumas e acrescentando mais uma ou outra, não abordadas ali.
1) Em sua introdução, o artigo - cujos dados foram fornecidos pela NOTISA, uma agência de pesquisa e que seria mais bem intitulado de "Profissão: PsicólogA" - lembra que "a maioria dos alunos (80%) que ingressa na faculdade de Psicologia é mulher, jovem, tem renda familiar média e é solteira". Posso acrescentar que, quando, em 1968, me transferi da então UEG (hoje UFRJ) para a PUC, os raros estudantes de sexo masculino entre aquela multidão de mulheres eram mal vistos pelos alunos de outras áreas (um tantinho de inveja devia fazer parte disso). Lembro-me de um estudante de engenharia me provocando com o comentário de que um sujeito de sexo masculino fazendo Psicologia era "padre ou veado". Como eu não era nem uma coisa nem outra, arranjei várias namoradas. Talvez seja uma vantagem adicional para os rapazes que pretendem ingressar na área...[Sobre o assunto, vale lembrar o que diz o artigo, "Em Forma", de Valéria França publicado na revista VEJA (Ano 30, n. 40, 8 de outubro de l997. p. 17): “A Faculdade de Medicina de Baylor, nos Estados Unidos, descobriu que a abstinência sexual temporária do homem eleva a concentração de espermatozóides portadores do cromossomo X. Quando isso acontece, um casal tem mais chances de gerar um menino. Se o homem tiver relações sexuais diárias, há mais probabilidade de nascer uma menina.” Do que se infere: se as condições ambientais forem de guerra, em que o homem fica pouco em casa, nascem mais meninos; se forem de paz, em que ele está mais em casa, nascem mais meninas". Meninos servem para a guerra, meninas para a paz! Acho que todos esses dados apontam para o papel que a Psicologia irá desempenhar no futuro desse nosso conturbado planeta.]

2) Segue o artigo: "Outra característica que chama a atenção é o despreparo, ou a falta de informação sobre a carreira." Este dado merecerá meu comentário adiante.

3) Logo a frente, cita um comentário de Ana Mercês Bock, atual presidente do Conselho Federal de Psicologia: "Uma outra característica do psicólogo é que há muita adesão a sua escolha profissional, o que é percebido no fato de os cursos terem um baixo índice de evasão e de inadimplência". Isso aponta para algo alvissareiro: a profissão deve trazer significativas satisfações além da financeira, sobre a qual logo nos voltaremos. Ana Bock acrescenta: "as pessoas gostam do que fazem, querem fazer isso e, depois de formadas têm grande empenho para exercer a profissão. Por isso, grande parte dos psicólogos está exercendo a Psicologia, mesmo que, às vezes, por poucas horas, ou até como voluntários". Tal colocação merece importante reparo. Onde diz, "grande parte dos psicólogos", deveria estar dito "grande parte dAs psicólogAs". Isso altera em muito a análise da questão. Devido a funções que exerço e que exerci, tenho e tive acesso às condições de trabalho de várias centenas - esse número não é uma metáfora! - de psicólogas. Embora esses meus contatos confirmem o prazer que derivam de sua atividade profissional, há outro fator que exerce grande peso - possivelmente determinante - para que grande número delas a exerça "part time", como um "bico" ou em termos de voluntariado, qual seja: a imensa maioria é casada, sendo seus companheiros a fonte principal da renda familiar. Rara vez - ou nenhuma - vi uma psicóloga que só contasse com proventos oriundos de seu próprio trabalho dar-se ao luxo de exercê-lo apenas "part time".

quarta-feira, julho 04, 2007

OS MALEFÍCIOS DA PSICOLOGIA DO FAZ-DE-CONTA

Empregar técnicas psicológicas para instrumentar a premissa de que "cada um é o que pensa ser" é, no mínimo, perigoso. Conheço vários pacientes internados em hospitais psiquiátricos que "acreditam que são o que pensam ser". Uma dentre esses pacientes, por exemplo, na realidade impossibilitada de ser mãe, desfila pelo pátio de um desses hospitais levando nos braços uma boneca de pano que diz ser sua filha, no que, naturalmente, apenas ela acredita. Remédios empregados em overdoses ou fora de indicação são veneno. Como professor de Psicanálise e prático da clínica psicanalítica faz quarenta anos, posso asseverar que a Pretending Psychology (Psicologia do Faz-de-Conta) americana prescreve o chamado "pensamento positivo" de maneira indiscriminada e em doses claramente tóxicas, do que é exemplo, a sugestão - feita em O Segredo por Rhonda Byrne - de que esse tipo de pensamento, adequado somente para certas condições específicas, se torne um "modo de vida para" todos. Ora, qualquer psicanalista iniciante sabe que a aplicação do pensamento positivo dessa forma e nessa dosagem acaba redundando em recalque, ou seja, alienando permanentemente o sujeito do contato de várias partes de si mesmo, tornando-o uma farsa e provocando uma série de distúrbios físicos e psicológicos. É minha opinião, inclusive, que a obrigação, típica do ambiente cultural americano, de estar o tempo todo OK é a principal responsável pelo fato de que, com apavorante freqüência, alguém que não mais agüenta ter que fingir que está bem quando não está suba em uma torre e mate indistintintamente várias pessoas que não conhece, dando lugar a deploráveis episódios como os ocorridos em 1999, em Columbine, e, mais recentemente, na Universidade da Califórnia. A Psicologia do Faz-de-Conta americana é a versão não medicamentosa do Prozac, e, como esse, já está começando a ser usada quando não há nenhuma indicação médica para isso. O uso indiscriminado de ambos é uma seta apontada para a criação de uma sociedade de zumbis sorridentes - verdadeiros "bobos alegres" - como os descritos por Huxley e Orwell em, respectivamente, "O Admirável Mundo Novo" e "1984". Já é mais do que tempo que profissionais sérios e competentes da área da saúde comecem uma cruzada para combater essa investida irresponsável contra saúde psicológica da população.

domingo, julho 01, 2007

IMPOSTURAS INTELECTUAIS

O livro Imposturas Intelectuais, publicado na França, em 1997, por Alan Sokal e Jean Bricmont, nasceu de um artigo do primeiro – “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação” – publicado, em 1996, em Edição Especial de respeitada revista americana, a Social Text. O artigo alinhava um amontoado de besteiras, mas... as besteiras eram deliberadas! A intenção de seu autor, renomado professor de Física da Universidade de Nova Iorque, era demonstrar como os chamados “cientistas culturais” eram capazes de engolir – e dar destaque! – a sandices como, por exemplo, a de que “o p de Euclides e o G de Newton, antigamente imaginados como constantes e universais, são agora entendidos em sua inelutável historicidade”, contanto que essas sandices estivessem cunhadas em termos pertencentes às chamadas ciências exatas.
Logo denunciou à imprensa o que fizera. A repercussão alcançou dimensões planetárias: foi parar na primeira página do New York Time, do International Herald Tribune, do Observer, do Le Monde etc. A artimanha de Sokal – pôr a nu, frente ao mundo acadêmico, a incompetência, desonestidade e imposturas intelectuais que haviam tomado de assalto a área das chamadas ciências sociais – tivera sucesso. O autor foi além: juntou-se a Bricmont, professor de Física da faculdade de Louvain, e meteram-se, no livro supra-mencionado, a, na obra de determinados autores – nomeadamente: Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigary, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio – que a desonestidade apontada não era um raro deslize, ocorrido aqui ou ali, mas uma prática sistemática objetivando dar áurea de rigor e de profundidade a teses mirabolantes e sem fundamento, ou fundamentadas, mas banais.
Tentando atenuar a gravidade da denuncia, Maggiori (Journal Libération) afirmou estarem-se corrigindo “erros gramaticais em cartas de amor”.
Esqueceu-se de dizer que as “cartas de amor” foram vendidas como tratados de gramática!

O PRINCÍPIO DE HEISENBERG

Um amigo, tendo entrado em contato com o "Princípio de Indeterminação" de Heisenberg, preparou uma palestra cujo objetivo era sustentar a afirmação de que “A Física é uma ciência das possibilidades”.
Eis os comentários que lhe repassei sobre tal afirmação:
"Caro amigo, a despeito de todos os seus consideranda e do que tenham pensado Aristóteles, Galileu, Newton, Einstein e Heisenberg, sua afirmação de que a Física "é uma ciência das possibilidades” não se sustenta seja lógica, seja empiricamente. Passo a demonstrá-lo:

1) Afirmar que “a Física” é uma ciência das possibilidades, entenda-se “não determinista”, implica afirmar que não só a Física atômica e subatômica como também a supratômica o são. Ora:

a. No que diz respeito à física supratômica:

a.i. Empiricamente, está mais do que demonstrado que, quando se conhecem as condições iniciais – o que freqüentemente é possível – as condições finais podem ser deterministicamente estabelecidas mediante a aplicação de leis (até a incapacidade da física newtoniana de prever a paralaxe do periélio de Mercúrio foi resolvida pela hipótese einsteiniana do espaço curvo);
a.ii. Logicamente, caso se pudesse demonstrar que a subatômica não é determinista, concluir que isso implicaria não serem as outras é um obviíssimo non sequitur[1];

b. No que diz respeito às físicas atômica e subatômica:

b.i. Em relação a hipóteses não desconfirmáveis, a única posição logicamente sustentável é a epoché, seja, a suspensão de juízo;
b.ii. Ora, se acatamos Heisenberg, e aceitamos que, nesse nível, as condições iniciais nunca poderão ser conhecidas, fica eliminada a possibilidade de se desconfirmar, pela aplicação bem sucedida de leis deterministas a essas condições, a hipótese de que os fenômenos desse nível são meramente probabilísticos, só nos restando como recurso logicamente válido relativamente a essa hipótese a tal epoché.

2) Fica assim estabelecido que:

a. Em relação à física supratômica, que ela se prova determinista em todos os campos onde se tem conhecimento das condições iniciais;
b. Em relação às atômica e subatômica, que é impossível saber se, caso fosse possível conhecer as condições iniciais, haveria leis que demonstrassem que este nível também é determinado;

3) Ora, se
a. A física do nível supratômico é descaradamente determinista e
b. não poderemos jamais saber, tendo Heisenberg razão, se a dos níveis atômico e subatômico também o é; então:

A AFIRMAÇÃO DE QUE A FÍSICA É UMA CIÊNCIA DAS POSSIBILIDADES NÃO TEM QUALQUER FUNDAMENTO, SEJA LÓGICO, SEJA EMPÍRICO."

[1] Ou seja, não é uma conclusão sustentável via silogismo.

sexta-feira, abril 13, 2007

NOTAS FILOSÓFICAS (X): O BEM E O MAL.

Acho curioso como me parecem simples questões comumente consideradas superiormente complexas. Uma dessas questões versa sobre o que sejam o bem e o mal.

Não vejo como escapar da resposta de que o bem é a preservação da vida e o mal a destruição dela.

Operacionalizar, todavia, esse conceito, fazendo o bem e evitando o mal, já é algo bem mais complexo, não só porque há situações em que o preservarmo-nos psicologicamente vivos implica aceitarmos nossa morte biológica (Sócrates e Tomas Morus que o digam), como também por haver aquelas em que a sobrevivência de um ou mais seres - muitas vezes nós mesmos - é incompatível com a sobrevivência de outro(s) (um caso clássico é o que exige escolher-se, em um parto difícil, entre a sobrevivência do nascituro e a da mãe).

Aqui, mais uma vez, parece repetir-se a freqüente confusão entre a dificuldade de conceituar algo e a dificuldade de operar com seu conceito.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A ÉTICA DOS FINS E DOS MEIOS

É tão perigoso se estabelecer que um determinado comportamento é sempre ruim ou sempre bom, quanto se acreditar que perder a Rainha, em um jogo de xadrez, é sempre ruim e preservá-la, sempre bom. Por vezes, tal sacrifício permite nos dar cheque-mate no adversário, o que, isso sim, é sempre bom, tanto quanto sofrê-lo é sempre mau.
Em minha ética, somente algo é sempre bom - a preservação da vida - e somente algo é sempre mau - a destruição dela - ficando todos os demais valores dependentes do quanto promovam um ou outro daqueles valores fundamentais. Assim, se bem que, por exemplo, corrupção e mentira sejam, EM GERAL, anti-éticas, vale pensar sobre as seguintes questões:

Se um oficial nazista corrupto aceitasse cinco charutos cubanos para não jogar uma criança judia na câmara de gás, o eticamente correto seria reagir dizendo "Nunca! Sou incorruptível! Jogue essa criança na câmara de gás!" ?
Se agentes de uma ditadura nos interrogassem para obter informações passíveis de facilitar a eliminação pessoas que lutam pela liberdade, o eticamente correto seria falar a verdade, não mentir?

Tais considerações levam-me à seguinte conclusão, que reputo seminal: a pergunta de se os fins justificam os meios é tão estúpida, quanto a de se o ser humano é ou não tuberculoso. Alguns são tuberculosos; outros, não. Da mesma forma, alguns fins justificam alguns meios; outros, não.

A principal falha ética que pode ser cometida por um ser POTENCIALMENTE humano é a de NÃO TORNAR-SE humano. E, após haver provado do fruto da "Árvore da Ciência do Bem e do Mal", essa falha ocorre quando ele deixa de REFLETIR e DECIDIR, agindo como um autômato, mentindo AUTOMATICAMENTE, falando a verdade AUTOMATICAMENTE (falha que estou tentando trazer à baila), corrompendo AUTOMATICAMENTE ou negando-se AUTOMATICAMENTE a corromper etc., etc..

Na verdade, seres POTENCIALMENTE humanos que agem como AUTÔMATOS, não podem ser anti-éticos, pois não chegaram sequer a ingressar no domínio da ética, são simplesmente PRÉ-ÉTICOS.