quarta-feira, julho 04, 2007

OS MALEFÍCIOS DA PSICOLOGIA DO FAZ-DE-CONTA

Empregar técnicas psicológicas para instrumentar a premissa de que "cada um é o que pensa ser" é, no mínimo, perigoso. Conheço vários pacientes internados em hospitais psiquiátricos que "acreditam que são o que pensam ser". Uma dentre esses pacientes, por exemplo, na realidade impossibilitada de ser mãe, desfila pelo pátio de um desses hospitais levando nos braços uma boneca de pano que diz ser sua filha, no que, naturalmente, apenas ela acredita. Remédios empregados em overdoses ou fora de indicação são veneno. Como professor de Psicanálise e prático da clínica psicanalítica faz quarenta anos, posso asseverar que a Pretending Psychology (Psicologia do Faz-de-Conta) americana prescreve o chamado "pensamento positivo" de maneira indiscriminada e em doses claramente tóxicas, do que é exemplo, a sugestão - feita em O Segredo por Rhonda Byrne - de que esse tipo de pensamento, adequado somente para certas condições específicas, se torne um "modo de vida para" todos. Ora, qualquer psicanalista iniciante sabe que a aplicação do pensamento positivo dessa forma e nessa dosagem acaba redundando em recalque, ou seja, alienando permanentemente o sujeito do contato de várias partes de si mesmo, tornando-o uma farsa e provocando uma série de distúrbios físicos e psicológicos. É minha opinião, inclusive, que a obrigação, típica do ambiente cultural americano, de estar o tempo todo OK é a principal responsável pelo fato de que, com apavorante freqüência, alguém que não mais agüenta ter que fingir que está bem quando não está suba em uma torre e mate indistintintamente várias pessoas que não conhece, dando lugar a deploráveis episódios como os ocorridos em 1999, em Columbine, e, mais recentemente, na Universidade da Califórnia. A Psicologia do Faz-de-Conta americana é a versão não medicamentosa do Prozac, e, como esse, já está começando a ser usada quando não há nenhuma indicação médica para isso. O uso indiscriminado de ambos é uma seta apontada para a criação de uma sociedade de zumbis sorridentes - verdadeiros "bobos alegres" - como os descritos por Huxley e Orwell em, respectivamente, "O Admirável Mundo Novo" e "1984". Já é mais do que tempo que profissionais sérios e competentes da área da saúde comecem uma cruzada para combater essa investida irresponsável contra saúde psicológica da população.

domingo, julho 01, 2007

IMPOSTURAS INTELECTUAIS

O livro Imposturas Intelectuais, publicado na França, em 1997, por Alan Sokal e Jean Bricmont, nasceu de um artigo do primeiro – “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação” – publicado, em 1996, em Edição Especial de respeitada revista americana, a Social Text. O artigo alinhava um amontoado de besteiras, mas... as besteiras eram deliberadas! A intenção de seu autor, renomado professor de Física da Universidade de Nova Iorque, era demonstrar como os chamados “cientistas culturais” eram capazes de engolir – e dar destaque! – a sandices como, por exemplo, a de que “o p de Euclides e o G de Newton, antigamente imaginados como constantes e universais, são agora entendidos em sua inelutável historicidade”, contanto que essas sandices estivessem cunhadas em termos pertencentes às chamadas ciências exatas.
Logo denunciou à imprensa o que fizera. A repercussão alcançou dimensões planetárias: foi parar na primeira página do New York Time, do International Herald Tribune, do Observer, do Le Monde etc. A artimanha de Sokal – pôr a nu, frente ao mundo acadêmico, a incompetência, desonestidade e imposturas intelectuais que haviam tomado de assalto a área das chamadas ciências sociais – tivera sucesso. O autor foi além: juntou-se a Bricmont, professor de Física da faculdade de Louvain, e meteram-se, no livro supra-mencionado, a, na obra de determinados autores – nomeadamente: Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigary, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio – que a desonestidade apontada não era um raro deslize, ocorrido aqui ou ali, mas uma prática sistemática objetivando dar áurea de rigor e de profundidade a teses mirabolantes e sem fundamento, ou fundamentadas, mas banais.
Tentando atenuar a gravidade da denuncia, Maggiori (Journal Libération) afirmou estarem-se corrigindo “erros gramaticais em cartas de amor”.
Esqueceu-se de dizer que as “cartas de amor” foram vendidas como tratados de gramática!

O PRINCÍPIO DE HEISENBERG

Um amigo, tendo entrado em contato com o "Princípio de Indeterminação" de Heisenberg, preparou uma palestra cujo objetivo era sustentar a afirmação de que “A Física é uma ciência das possibilidades”.
Eis os comentários que lhe repassei sobre tal afirmação:
"Caro amigo, a despeito de todos os seus consideranda e do que tenham pensado Aristóteles, Galileu, Newton, Einstein e Heisenberg, sua afirmação de que a Física "é uma ciência das possibilidades” não se sustenta seja lógica, seja empiricamente. Passo a demonstrá-lo:

1) Afirmar que “a Física” é uma ciência das possibilidades, entenda-se “não determinista”, implica afirmar que não só a Física atômica e subatômica como também a supratômica o são. Ora:

a. No que diz respeito à física supratômica:

a.i. Empiricamente, está mais do que demonstrado que, quando se conhecem as condições iniciais – o que freqüentemente é possível – as condições finais podem ser deterministicamente estabelecidas mediante a aplicação de leis (até a incapacidade da física newtoniana de prever a paralaxe do periélio de Mercúrio foi resolvida pela hipótese einsteiniana do espaço curvo);
a.ii. Logicamente, caso se pudesse demonstrar que a subatômica não é determinista, concluir que isso implicaria não serem as outras é um obviíssimo non sequitur[1];

b. No que diz respeito às físicas atômica e subatômica:

b.i. Em relação a hipóteses não desconfirmáveis, a única posição logicamente sustentável é a epoché, seja, a suspensão de juízo;
b.ii. Ora, se acatamos Heisenberg, e aceitamos que, nesse nível, as condições iniciais nunca poderão ser conhecidas, fica eliminada a possibilidade de se desconfirmar, pela aplicação bem sucedida de leis deterministas a essas condições, a hipótese de que os fenômenos desse nível são meramente probabilísticos, só nos restando como recurso logicamente válido relativamente a essa hipótese a tal epoché.

2) Fica assim estabelecido que:

a. Em relação à física supratômica, que ela se prova determinista em todos os campos onde se tem conhecimento das condições iniciais;
b. Em relação às atômica e subatômica, que é impossível saber se, caso fosse possível conhecer as condições iniciais, haveria leis que demonstrassem que este nível também é determinado;

3) Ora, se
a. A física do nível supratômico é descaradamente determinista e
b. não poderemos jamais saber, tendo Heisenberg razão, se a dos níveis atômico e subatômico também o é; então:

A AFIRMAÇÃO DE QUE A FÍSICA É UMA CIÊNCIA DAS POSSIBILIDADES NÃO TEM QUALQUER FUNDAMENTO, SEJA LÓGICO, SEJA EMPÍRICO."

[1] Ou seja, não é uma conclusão sustentável via silogismo.

sexta-feira, abril 13, 2007

NOTAS FILOSÓFICAS (X): O BEM E O MAL.

Acho curioso como me parecem simples questões comumente consideradas superiormente complexas. Uma dessas questões versa sobre o que sejam o bem e o mal.

Não vejo como escapar da resposta de que o bem é a preservação da vida e o mal a destruição dela.

Operacionalizar, todavia, esse conceito, fazendo o bem e evitando o mal, já é algo bem mais complexo, não só porque há situações em que o preservarmo-nos psicologicamente vivos implica aceitarmos nossa morte biológica (Sócrates e Tomas Morus que o digam), como também por haver aquelas em que a sobrevivência de um ou mais seres - muitas vezes nós mesmos - é incompatível com a sobrevivência de outro(s) (um caso clássico é o que exige escolher-se, em um parto difícil, entre a sobrevivência do nascituro e a da mãe).

Aqui, mais uma vez, parece repetir-se a freqüente confusão entre a dificuldade de conceituar algo e a dificuldade de operar com seu conceito.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A ÉTICA DOS FINS E DOS MEIOS

É tão perigoso se estabelecer que um determinado comportamento é sempre ruim ou sempre bom, quanto se acreditar que perder a Rainha, em um jogo de xadrez, é sempre ruim e preservá-la, sempre bom. Por vezes, tal sacrifício permite nos dar cheque-mate no adversário, o que, isso sim, é sempre bom, tanto quanto sofrê-lo é sempre mau.
Em minha ética, somente algo é sempre bom - a preservação da vida - e somente algo é sempre mau - a destruição dela - ficando todos os demais valores dependentes do quanto promovam um ou outro daqueles valores fundamentais. Assim, se bem que, por exemplo, corrupção e mentira sejam, EM GERAL, anti-éticas, vale pensar sobre as seguintes questões:

Se um oficial nazista corrupto aceitasse cinco charutos cubanos para não jogar uma criança judia na câmara de gás, o eticamente correto seria reagir dizendo "Nunca! Sou incorruptível! Jogue essa criança na câmara de gás!" ?
Se agentes de uma ditadura nos interrogassem para obter informações passíveis de facilitar a eliminação pessoas que lutam pela liberdade, o eticamente correto seria falar a verdade, não mentir?

Tais considerações levam-me à seguinte conclusão, que reputo seminal: a pergunta de se os fins justificam os meios é tão estúpida, quanto a de se o ser humano é ou não tuberculoso. Alguns são tuberculosos; outros, não. Da mesma forma, alguns fins justificam alguns meios; outros, não.

A principal falha ética que pode ser cometida por um ser POTENCIALMENTE humano é a de NÃO TORNAR-SE humano. E, após haver provado do fruto da "Árvore da Ciência do Bem e do Mal", essa falha ocorre quando ele deixa de REFLETIR e DECIDIR, agindo como um autômato, mentindo AUTOMATICAMENTE, falando a verdade AUTOMATICAMENTE (falha que estou tentando trazer à baila), corrompendo AUTOMATICAMENTE ou negando-se AUTOMATICAMENTE a corromper etc., etc..

Na verdade, seres POTENCIALMENTE humanos que agem como AUTÔMATOS, não podem ser anti-éticos, pois não chegaram sequer a ingressar no domínio da ética, são simplesmente PRÉ-ÉTICOS.

sábado, novembro 04, 2006

FREUD, NIETZSCHE E O ÜBERMENSCH

O termo “repressão” é ora empregado com o sentido de “recalque”, a impossibilidade de DIZER algo, ora com o sentido de “retenção”, a impossibilidade de FAZER algo. Ao afirmar que sua natureza –

“não sabe separar DIZER NÃO À AÇÃO de DIZER SIM À PALAVRA” (“Ecce Homo”. Harmondsworth, England: 1985, p. 80; destaques meus)

Nietzsche sinaliza com clareza que o Macht – poder – desejado pelo Übermensch – o ser humano superior[1] – é o de ELIMINAR O RECALQUE, MANTENDO A [possibilidade de] RETENÇÃO
.
Com efeito, sua obra repete cansativamente que Übermensch é aquele que tem suficiente coragem para verbalizar ( = eliminar o recalque ) todos os aspectos da existência –

“toda a existência aqui [na proposta de zarathustra] deseja TORNAR-SE PALAVRA” (ibid., p. 103; destaque meus)

– permitindo a entrada na consciência de tudo que, até sua chegada, ficou escondido –

“uma afirmação sem reservas mesmo do sofrimento, mesmo da culpa, mesmo de tudo que é estranho e questionável na existência” (ibid., p. 80)

– sob uma visão idealizada do homem –

“tendo na mão uma tocha cuja luz não treme, eu ilumino com um brilho cortante o submundo do ideal.” (ibid., p. 89)

Essa proposta implica uma Umwertung aller Werte – uma transmutação de todos os valores – pois passa a considerar o patológico – a possibilidade de colocação de todo e qualquer pathos no logos – como característica da saúde e não, da doença.
Já a luz da tocha de Freud por vezes treme e ele, nesses momentos, coloca a ELIMINAÇÃO DA RETENÇÃO, NÃO DO RECALQUE, como o objetivo humano, cometendo, inclusive, em “Psicologia das Massas e Análise do Ego” (1921), a asnice de confundir o sofisticadíssimo Übermensch nietzschiano com as medulas ambulantes que teriam sido os chefes das hordas primitivas e que, segundo sua visão, FAZIAM o que queriam, sem ter limites que os contivessem.
Toda vez que se entender que o poder visado pelo homem superior de Nietzsche é o poder de tudo FAZER , em vez de poder de tudo FALAR, vai-se tirar a descabida conclusão de que a obra desse grande pensador, que abominava a truculência germânica, presta-se a fornecer fundamento ideológico para o nazismo.
[1] Traduzir “Übermensh” por “super-homem” parece-me absolutamente catastrófico. Primeiro, perde-se referência ao fato de que, em alemão, “der Mensch” é “o ser humano”, englobando o homem e a mulher (“der Mann” é o termo que ser refere especificamente ao ser humano masculino); segundo, a aura associativa de “super-homem” aponta mais para um ferrabrás hollywoodiano do que para alguém que atingiu os cumes da possibilidade de desenvolvimento humano.

segunda-feira, setembro 25, 2006

CITAÇÕES PREFERIDAS VII

"A tarefa da democracia não é garantir que os melhores ascenderão ao poder, é impedir que os piores se perpetuem nele." (Karl Popper)

CITAÇÕES PREFERIDAS VI

"O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." (Martin Luther King)

sexta-feira, setembro 15, 2006

NOTA SOBRE O LULISMO

Mandaram-me um imeil dizendo que quem se importa com os pobres, como os católicos, deve votar no Lula. Quero comentar isso.
O sucesso de um programa social não é medido por quantas pessoas ENTRAM nele, mas por quantas SAEM dele. A política econômica do Lula é uma verdadeira catástrofe (estou dizendo que é uma CATÁSTROFE, não estou dizendo que ela é MAL INTENCIONADA), que vai, a médio prazo, fazer que cada vez mais pessoas ENTREM em programas sociais e cada vez menos SAIAM deles. O que essa política econômica tem de bom – o controle da inflação – não passa de uma CÓPIA descarada da política de FCH, que também já não era nenhuma glória, porque se sustentou à custa de juros altos e não de um vigoroso corte de gastos públicos. Um dos lados mais catastróficos da política econômica do Lula é a confusão que ele faz entre ele mesmo e o Mercosul, fantasiando que essa união de nanicos pode ter trajetória tão gloriosa quanto a dele, desafiando com sucesso países ricos (e, portanto, MAUS) e poderosos. O resultado disso está sendo que Uruguai, Paraguay etc. estão começando a atropelar a megalomania lulista e a fazer acordos bilaterais com os membros do G-8, comprando deles O QUE ANTERIORMENTE COMPRAVAM DE NÓS e vendendo a eles O QUE ANTERIORMENTE LHES VENDIAMOS NÓS. Essa política é tão estúpida que algumas de nossas industrias têxteis já estão considerando transferir-se para o Chile, Uruguay, Paraguay etc. PARA PODER CONTINUAR A VENDER! O que, no Brasil, irá gerar desemprego e queda da receita fiscal, permitindo que Lula e seus bondosos católicos tenham MAIS POBRES para ENTRAR em seus programas sociais, cuja cesta básica TAMBÉM FICARÁ MAIS POBRE, até que cada família-mendigo tenha mensalmente direito a três grãos de arroz e dois de feijão...
Em tempo: Votei no Lula na última eleição e jamais fiquei tão realizado com meu voto. E disse aos que me perguntaram o porquê: "Porque a única forma de arrancar a fantasia de santidade do PT é sentar o rabo do Lula na cadeira de presidente".
Eu poderia estar mais satisfeito?

terça-feira, agosto 01, 2006

CITAÇÕES PREFERIDAS V

"COM LAMENTÁVEL FREQÜÊNCIA, UMA INSTITUIÇÃO NÃO PASSA DE UMA INFLAMAÇÃO QUE SE DESENVOLVE EM TORNO DE UMA IDÉIA PARA ACABAR COM ELA" (Luís César Ebraico)