quinta-feira, março 02, 2006

OS TRÊS DRAMAS

O homem da Antigüidade, o da Idade Média e o da Idade Moderna enfrentaram três diferentes dramas, todos passíveis de ser convertidos em tragédia.
O homem da Antigüidade pode decidir, mas não leva. Seu inimigo é o Destino. Édipo Rei é a mais famosa representação disso. O oráculo profetiza que Édipo está fadado a matar o pai e coabitar com a mãe. Édipo decide não fazê-lo e abandona a casa de quem pensa serem seus pais, no que se engana, pois havia sido adotado. Numa encruzilhada encontra Laio, que não sabe ser seu verdadeiro pai. Altercam-se. Laio é morto na refrega. Após algumas peripécias, casa com Jocasta, sua mãe, viúva de Laio. Decidiu, mas não levou.
O da Idade Média pode levar, mas não decide. Seu inimigo é o Pecado. A Divina Comédia é a mais exaltada representação disso. O homem que cai em pecado deverá enfrentar, para a eternidade, as agruras do inferno. Se mantém pureza, pode chegar ao céu, mas o que seja ou não pecado não é decidido por ele. Pode levar, mas não decide.
O da Idade Moderna pode decidir e levar, mas seu drama, embora solúvel, não é menor. Aqui também há que se enfrentar – e vencer – um inimigo: o estreitamento da consciência, o não querer ver. Hamlet é a mais acabada representação disso. O fantasma do pai do príncipe Hamlet denuncia a esse último que fora assassinado por Cláudio, irmão do morto. Hamlet não se debate com o Destino, nem com o Pecado, mas sim com a dor de expandir a própria consciência, reconhecendo a sórdida trama, de que participara sua mãe e devendo, por isso, executar a vingança que tal reconhecimento exigiria. Para uma leitura superficial, a peça gira em torno da morte do pai de Hamlet; para um olhar mais profundo, gira em torno do “ser ou não ser”, a vida ou morte, só possível após a Idade Moderna, do indivíduo completo, representado por Hamlet.
Será mera coincidência que, na peça, também Hamlet seja o nome do pai morto? Duvido.

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