domingo, março 12, 2006

MEMBROS, ÓRGÃOS E PESSOAS

Foi-me feito, via ORKUT, o seguinte QUESTIONAMENTO: "Boa noite, Luiz Cesar. Gostaria de saber a sua opinião sobre a humanização Hospitalar!!! Em relação a estudantes que tentam levar um pouco mais de alegria aos hospitais!!! Abraços."

RESPOSTA: No meu entender, já é hora, na esteira do trabalho de Elisabeth Kübler-Ross, de começar a se reconhecer que um paciente com câncer no fígado, não é UM FIGADO, mas, sim, uma PESSOA com câncer no fígado. Certos médicos têm tanta alergia a gente que, ao lhes dizer que você gostaria de fazer uma consulta porque está com, digamos, uma forte dor nos joelhos, se esses médicos pudéssem, responderiam: "Pois não! Por favor, envie-me, o mais rápido possível, seus joelhos por SEDEX e logo terá um retorno"! Reconhecendo a existência endêmica dessa alergia, algumas instituições ligadas à formação médica e ao exercício da medicina, já estão tomando algumas providências. A Universidade de Harvard, por exemplo, tornou LITERATURA uma cadeira OBRIGATÓRIA dos primeiros anos do currículo médico, currículo que, no que diz respeito a 'rapport', só tem sido satisfatório, até agora, para a formação de médicos legistas. Esse reconhecimento de que o paciente não é apenas um fígado, dois pulmões, dois rins, um estômago, dois joelhos etc., mas que esses órgãos e membros ESTÃO EM UMA PESSOA QUE SOFRE, já está começando - aleluia! - além disso, a abrir as portas dos hospitais e clínicas não só para estudantes, mas também para profissionais - aqui no Rio, por exemplo, um grupo profissional de palhaços vinha fazendo um trabalho voluntário no setor infantil de nosso Hospital do Câncer, produzindo significativo alívio na dor e, por vezes mesmo, trazendo progressos ao tratamento físico daqueles pequenos e sofridos pacientes. Esses profissionais e estudantes, como no exemplo que acabo de aduzir, não necessariamente têm que pertencer à área psi. Acho, contudo, que o contato com os pacientes de tais profissionais e estudantes deve ser supervisionado por um psicólogo, já que pessoas estranhas à nossa área, embora cheias de boas intenções, têm, por vezes, abordagens bastante canhestras em suas relações interpessoais, podendo "o tiro sair pela culatra".

quinta-feira, março 02, 2006

OS TRÊS DRAMAS

O homem da Antigüidade, o da Idade Média e o da Idade Moderna enfrentaram três diferentes dramas, todos passíveis de ser convertidos em tragédia.
O homem da Antigüidade pode decidir, mas não leva. Seu inimigo é o Destino. Édipo Rei é a mais famosa representação disso. O oráculo profetiza que Édipo está fadado a matar o pai e coabitar com a mãe. Édipo decide não fazê-lo e abandona a casa de quem pensa serem seus pais, no que se engana, pois havia sido adotado. Numa encruzilhada encontra Laio, que não sabe ser seu verdadeiro pai. Altercam-se. Laio é morto na refrega. Após algumas peripécias, casa com Jocasta, sua mãe, viúva de Laio. Decidiu, mas não levou.
O da Idade Média pode levar, mas não decide. Seu inimigo é o Pecado. A Divina Comédia é a mais exaltada representação disso. O homem que cai em pecado deverá enfrentar, para a eternidade, as agruras do inferno. Se mantém pureza, pode chegar ao céu, mas o que seja ou não pecado não é decidido por ele. Pode levar, mas não decide.
O da Idade Moderna pode decidir e levar, mas seu drama, embora solúvel, não é menor. Aqui também há que se enfrentar – e vencer – um inimigo: o estreitamento da consciência, o não querer ver. Hamlet é a mais acabada representação disso. O fantasma do pai do príncipe Hamlet denuncia a esse último que fora assassinado por Cláudio, irmão do morto. Hamlet não se debate com o Destino, nem com o Pecado, mas sim com a dor de expandir a própria consciência, reconhecendo a sórdida trama, de que participara sua mãe e devendo, por isso, executar a vingança que tal reconhecimento exigiria. Para uma leitura superficial, a peça gira em torno da morte do pai de Hamlet; para um olhar mais profundo, gira em torno do “ser ou não ser”, a vida ou morte, só possível após a Idade Moderna, do indivíduo completo, representado por Hamlet.
Será mera coincidência que, na peça, também Hamlet seja o nome do pai morto? Duvido.