sábado, fevereiro 23, 2008

PENSAMENTO ANIMAL E PENSAMENTO HUMANO

Inútil ter acesso aos mais relevantes e precisos dados, se é ruim a qualidade da teoria com a qual se os vai trabalhar. Há uma piadinha que retrata isso de modo bem caricato:

PEDRO – “Caramba, você sabe estar estatisticamente comprovado que 30% por cento dos acidentes de trânsito ocorrem em virtude de o motorista estar alcoolizado!”
PAULO – “Caramba mesmo! Não tinha idéia de que 70% dos acidentes pudessem ser causados pela FALTA DE ÁLCOOL!”

Pois é. Não há input de dados, por relevantes e corretos que sejam, que resista a um sofware ruim.
Os dados sobre o pensamento animal trazidos pelo artigo “Mentes que Brilham”, publicado na revista National Geographic (Brasil) correspondente a março deste ano são indiscutivelmente relevantes e supõe-se estarem corretos, mas o software com o qual se os trabalha merece significativos reparos, sem os quais se podem concluir barbaridades análogas à de que não beber causa acidentes de tráfego.
Esses reparos voltam-se principalmente sobre a má conceituação de cognição, pensamento (animal e humano) e inteligência – e passo a alinhá-los, embora não pretenda aprofundar esta discussão aqui. Na página 36 da revista, lê-se:

“De que modo, então, um cientista prova que um animal tem capacidade de pensar – ou seja, que ele é capaz de obter informações a respeito do mundo e agir em função disso?” (grifo meu)

Começamos mal. Se uma planta, ao crescer, se inclina para oeste porque, onde se encontra, o vento bate naquele sentido, o processo é meramente mecânico; mas se, na ausência de tal agente externo, ela se orienta para oeste porque, sendo fototrópica, é dali que recebe mais luz, então sim, ela “obteve informações a respeito do mundo e agiu em função disso”, o que supõe presença de “cognição”, mas, convenhamos, não de “pensamento”. Poderíamos dizer que essa planta “cognosceu” – como “cognosce” nossa medula ao responder com o reflexo patelar a uma pequena martelada no joelho – mas acho difícil encontrar alguém disposto a sustentar que ela – e tampouco a medula – “pensaram”. E por quê?
Porque, para haver “pensamento”, não basta ser capaz de registrar uma informação e ser capaz de reagir a ela. Para haver pensamento, é necessário que, a partir de informações previamente registradas (= “cognoscidas”), se produza informação nova, seja a partir de inferência (“se X, então Y”), seja a partir da criatividade.
Para o contexto do artigo, vale também lembrar que o adjetivo “inteligente” pode ser empregado em um sentido lato, em que coincide com “capaz de pensar” e em um sentido estrito, quando coincide com “capaz de pensar bem”, ou seja, de forma a servir adequadamente às tarefas a que se aplica o pensar.
Por último, sustento que nenhum cotejamento entre o pensamento humano e o animal poderá ser bem sucedido enquanto, como faz o artigo em pauta, se procurarem semelhanças e diferenças entre ambos em aspectos como capacidade ou não de simbolizar, de generalizar, de inferir, de criar etc..
A única diferença fundamental entre ambos está em que apenas o primeiro é capaz de voltar-se sobre si mesmo e pensar sobre o pensamento, tentando analisar sua própria natureza e desenvolver os critérios que distinguem o bom do mau pensar.
No dia em que um animal ultrapassar essa barreira, terá deixado de sê-lo.

Nenhum comentário: