sexta-feira, agosto 27, 2010

VAMPIROS

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Como, após o sucesso da série de ficção romântica “O Crepúsculo”, a atração do público pelos vampiros está em alta, aproveito para transcrever o trecho de meu livro "A Nova Conversa" em que exponho como essas míticas personagens são a mais elaborada representação simbólica daquela parte de nós mesmos que anseia retornar ao estado intrauterino, detestando, por conseguinte, tudo que diga respeito ao nascimento.

Segue a transcrição do trecho, com pequenas alterações:

"Vampiros detestam a luz (cf. vir à luz = nascer), dormem em caixões (= útero ), têm fome de sangue (= o alimento intrauterino), preferencialmente de mulheres (= mães) virgens (que, por conseguinte, jamais deram à luz). Têm pavor de alho (= vegetal conhecido por ter dentes, representantes de sua própria voracidade projetada nos demais) e da cruz (o sofrimento da crucifixão, por razões excessivamente complexas para que caiba aprofundá-las aqui, representa as dores do nascimento) e não têm imagem no espelho (= não chegaram ao nível de desenvolvimento em que podemos refletir sobre nossos próprios atos, criticando-os)" (Op. cit., pág. 56).

Só depois de publicado o livro, dei-me conta de que havia deixado de apontar outros elementos fundamentais desse mito. Passo a discorrer sobre eles:

Drácula, o decano dos vampiros, é originário da Transilvânia. Ora, "trans(= para além de)silvania (do latim: silva = selva) equivale literalmente a "para além da selva". Se sabemos que "bosque, mata, selva, floresta" têm, em nossa simbologia inconsciente, o significado de "pelos pubianos", ser originário da Transilvânia equivale a ter origem em um lugar situado "para além dos pelos pubianos", seja, no útero!

Adicionemos também o fato – apontado por Otto Rank – de a crucifixão representar simbolicamente as dores do nascimento, em virtude de a cruz remeter à imagem de um “caminho (= vagina) barrado (= osso pubiano)". Se, ademais, reconhecermos a seta como símbolo do pênis, não fica difícil entender por que razão os banheiros femininos, não raramente, são sinalizados pelo símbolo de Vênus (um círculo em cujo inferior se vê uma cruz) e os masculinos pelo de Marte (um círculo ostentando uma seta em plena "ereção")!
Posto isso, em nada espanta que a revolta contra o nascimento se expresse por uma aversão à cruz (nem que o "sinal da cruz" seja um gesto destinado a nos proteger do mal!).

Vale a pena aprofundar esta análise explorando a natureza ambivalente da relação de um recém-nascido para com sua mãe (cf. Abraham, Klein etc.). Temos, por um lado, uma mãe boa – a portadora do útero, em que por primeiro vivemos, e dos seios, que, após a expulsão daquele (simbolicamente representado pelo Paraíso), por primeiro nos alimentaram e, por outro, uma mãe má, porque dona da vagina, doloroso caminho (= cruz) da expulsão, e porque, incapaz de ver a si mesmo, o recém-nascido nela vê sua própria destrutividade oral . Na mitologia do vampiro, o temor da voracidade dessa “mãe má” é não apenas representado pelo já aludido temor aos dentes do alho. Também o é pela fantasia de apenas poder ser morto pelos dentes da mãe: a cunha de madeira e a bala de prata: “cunha” e “bala” representando obviamente os dentes, enquanto “madeira” (que, como “matéria”, deriva do latim mater) e “prata” (referência à cor da Lua), apontam, embora mais veladamente, para a mãe.

Note-se que, na medida em que a morte tão frequentemente temida pela nossa consciência é paradoxalmente desejada por nosso inconsciente como a ansiada volta ao útero (vide: "revertere ad locum tuum" e também "quia pulvis est et in pulveris reverteris"), ser imortal só pode ser uma maldição!

Para finalizar, atentemos para a capa do primeiro volume da saga "O Crepúsculo": ela traz duas mãos oferecendo uma maçã, fruta cuja ingestão assinala a expulsão de Adão e Eva do Útero-Paraíso. Para melhor chegarmos à compreensão do que expressa simbolicamente essa fruta, façamos uso do seguinte sonho:

Nele, um de meus pacientes vê-se frente a frente com uma jovem freira, sua professora num colégio em que estudara e que exercera sobre ele forte atração sexual. Aproxima-se dela, abre seu hábito de forma a expor-lhe um dos seios e dele se aproxima para sugar-lhe o leite. Subitamente, contudo, desiste de seu inicial intento e, sacando de uma gilete, faz-lhe um pequeno corte, "amamentando-se" do sangue que começa a escorrer!

Esse sonho, relatado há cerca de trinta anos, revelou-me o significado simbólico da maçã: ela representa – por ter a forma do seio (inclusive com seu mamilo) e a cor de nosso alimento intrauterino – uma “formação de compromisso” entre a fome de leite e a de sangue!

Os vampiros sedutoramente humanizados (= “genitalizados”, no jargão psicanalítico) de "O Crepúsculo" – aos quais meu enteado de onze anos mui apropriadamente tachou de "anormais" – encarnam a difícil transição a que nos força o nascimento...

EM TEMPO: vampiros SOFREM com sua imortalidade. Esse aparente paradoxo - quantos MORTAIS não a desejariam? - se dissolve se nos lembramos de que, simbólicamente, MORTE = RETORNO AO VENTRE MATERNO, lugar que mais estreitamente associamos à paz e ao descanso. Fica fácil entender por que a expressão latina "resquiescat in pacem" (descanse em paz) tem uma relação tão íntima com lápides e cemitérios...

Um comentário:

luci disse...

como surge o "conceito de fetilização"o que é fetilização, citado em uma analise muito interessante e inteligente feita pov vc. sobre o filme de Bnñel , OFantasma da liberdade"