terça-feira, agosto 01, 2006

CITAÇÕES PREFERIDAS V

"COM LAMENTÁVEL FREQÜÊNCIA, UMA INSTITUIÇÃO NÃO PASSA DE UMA INFLAMAÇÃO QUE SE DESENVOLVE EM TORNO DE UMA IDÉIA PARA ACABAR COM ELA" (Luís César Ebraico)

segunda-feira, junho 26, 2006

CITAÇÕES PREFERIDAS IV

"Dentro de qualquer abismo ainda trago comigo a benção de minha auto-afirmação." (Nietzsche)

CITAÇÕES PREFERIDAS III

"A crítica arrancou as flores que enfeitavam os grilhões não para que o homem os carregue sem esperança ou consolo, mas para que os rompa e se aposse da flor viva." (Karl Marx)

CITAÇÕES PREFERIDAS II

"O que se concebe bem
Se enuncia claramente
E as palavras para dizê-lo
Vêm facilmente." (Boileau)

CITAÇÕES PREFERIDAS I

"A arte existe porque a vida não basta." (José Paulo Paes)

segunda-feira, junho 12, 2006

O "CONTEXTO DE FORMULAÇÃO" NA ATIVIDADE CIENTÍFICA

Desde o início do século XX, principalmente como resultado das contribuições de pensadores afiliados à chamada Filosofia da Linguagem[1] (Ludwig Wittgenstein, Bertrand Russell etc.) e ao Círculo de Viena[2] (Moritz Schilick, Rudolf Carnap etc.) que, no trabalho de produção científica, se soe diferençar “contexto de descoberta”, “contexto de validação” e “contexto de aplicação”, caracterizando-se o primeiro por seu desregramento (cf., por exemplo, o conceito de serendipity[3]) e os demais, por um conjunto extremamente exigente de regras que – internacionalmente reconhecidas – norteiam a fiscalização intersubjetiva das (1) coerência lógica e empírica e (2) da eficácia operacional de um determinado saber. A crescente importância das chamadas “ciências sociais” ou “humanas” vem revelando a necessidade de que se reconheça a autonomia e extrema relevância de um QUARTO CONTEXTO de produção científica, o “contexto de formulação”.
E por quê? Porque no âmbito das ciências “não humanas”, a descoberta científica, logo ao ser feita, já vem, via de regra, formulada em termos tão pouco ambíguos, que, se, no contexto de descoberta, foi proposto que e = mc², podemos de pronto passar para os contextos de validação e de aplicação sem grande perigo de estarmos testando a validade ou passando a aplicar algo bem diverso do que o que a descoberta original pretendera veicular. Isso em grande parte se deve ao fato de as descobertas da Matemática, da Física, da Química e quejandas, mesmo ao nascer, já são formuladas em termos que pertencem (veja-se, por exemplo: “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”) quase que exclusivamente ao ambiente científico em que foram produzidas, estando esses termos, portanto, muito pouco contaminados pelos significados que lhes atribuiria uma exegese vulgar.
Algo bastante diverso ocorre no âmbito das ciências humanas. Com efeito, essas ciências, sejam puras ou aplicadas, tendem a formular suas proposições empregando vocábulos retirados de nosso linguajar cotidiano, mas dando-lhes sentido diverso e exigindo, dessarte, um especial esforço para que se possa escoimá-los de sua conotação popular, evitando, mediante isso, dentro do próprio contexto científico, ou na interface desse contexto com o restante da sociedade, sérias distorções na transmissão das informações.
Exemplifico. Se, no jargão jurídico, afirmo que um determinado juiz é “incompetente” para julgar determinada matéria, estarei afirmando que ele não conhece o assunto? É óbvio que não. Estou simplesmente afirmando que tal matéria está fora de sua jurisdição. Mas tal obviedade só existe para aquele cujo conhecimento da língua, previamente formatado pela semântica vocabular cotidiana, foi capaz de escapar dessa formatação e reconhecer na “incompetência” daquele juiz um significado técnico que escapa de todo à exegese vulgar...
Outro exemplo. Em um dicionário que lista o SIGNIFICADO COMUM das palavras de nosso léxico, “reprimir” significa “sustar a ação ou movimento de”[4]. Ora, em qualquer bom dicionário ESPECIALIZADO de Psicanálise, “reprimir” significa “impedir a representação verbal de algum fragmento de nossa experiência”! O fato de que o significado técnico-psicanalítico do termo “repressão” foi, no entendimento popular, substituído por seu significado comum destruiu de todo a utilidade da afirmação freudiana de que “repressão causa neurose”, dando, bem ao contrário, origem a catastróficas abordagens pedagógicas que, dizendo-se de “inspiração psicanalítica”, propuseram que se desse às crianças, em vez da liberdade verbal de fato proposta por Freud, uma liberdade de ação que produziu uma geração de monstrinhos... E isso com a cumplicidade de um establishment psicanalítico que, ao arrepio das considerações acima, não fez adequadamente o dever de casa de esclarecer o significado técnico preciso dos termos e proposições da teoria que pretende empregar!
Nas ciências humanas, por sua vocação para, na formulação de seus preceitos e hipóteses, adotar termos já prenhos de significados “não técnicos”, tal explicitação é essencial. Esse é um “dever de casa” que as chamadas “ciências humanas” estão cumprindo muito mal.
[1] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & SELLARS, W. (eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949, passim.
[2] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & BRODBECK, M. (eds.). Readings in the Philosophy of Science. New York: Appleton-Century-Crofts, 1953, passim.
[3] Que os ingleses definem como “the natural ability to make interesting or valuabe discoveries by accident”.
[4] Holanda, A. B. de. Novo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

quarta-feira, maio 31, 2006

NOTAS FILOSÓFICAS (IX): O SUPOSTO CETICISMO CIENTÍFICO.

Tenho verificado a freqüência com que internautas fazem a equivocada afirmação de que o cientista é necessariamente "cético". Estão usando o termo de maneira excessivamente frouxa. Há significativo consenso, na nomenclatura filosófica, sobre que esse termo deve ser aplicado àqueles que consideram "impossível decidir sobre a verdade ou falsidade de uma proposição qualquer", o que, evidentemente, não é o caso do cientista.

domingo, março 12, 2006

MEMBROS, ÓRGÃOS E PESSOAS

Foi-me feito, via ORKUT, o seguinte QUESTIONAMENTO: "Boa noite, Luiz Cesar. Gostaria de saber a sua opinião sobre a humanização Hospitalar!!! Em relação a estudantes que tentam levar um pouco mais de alegria aos hospitais!!! Abraços."

RESPOSTA: No meu entender, já é hora, na esteira do trabalho de Elisabeth Kübler-Ross, de começar a se reconhecer que um paciente com câncer no fígado, não é UM FIGADO, mas, sim, uma PESSOA com câncer no fígado. Certos médicos têm tanta alergia a gente que, ao lhes dizer que você gostaria de fazer uma consulta porque está com, digamos, uma forte dor nos joelhos, se esses médicos pudéssem, responderiam: "Pois não! Por favor, envie-me, o mais rápido possível, seus joelhos por SEDEX e logo terá um retorno"! Reconhecendo a existência endêmica dessa alergia, algumas instituições ligadas à formação médica e ao exercício da medicina, já estão tomando algumas providências. A Universidade de Harvard, por exemplo, tornou LITERATURA uma cadeira OBRIGATÓRIA dos primeiros anos do currículo médico, currículo que, no que diz respeito a 'rapport', só tem sido satisfatório, até agora, para a formação de médicos legistas. Esse reconhecimento de que o paciente não é apenas um fígado, dois pulmões, dois rins, um estômago, dois joelhos etc., mas que esses órgãos e membros ESTÃO EM UMA PESSOA QUE SOFRE, já está começando - aleluia! - além disso, a abrir as portas dos hospitais e clínicas não só para estudantes, mas também para profissionais - aqui no Rio, por exemplo, um grupo profissional de palhaços vinha fazendo um trabalho voluntário no setor infantil de nosso Hospital do Câncer, produzindo significativo alívio na dor e, por vezes mesmo, trazendo progressos ao tratamento físico daqueles pequenos e sofridos pacientes. Esses profissionais e estudantes, como no exemplo que acabo de aduzir, não necessariamente têm que pertencer à área psi. Acho, contudo, que o contato com os pacientes de tais profissionais e estudantes deve ser supervisionado por um psicólogo, já que pessoas estranhas à nossa área, embora cheias de boas intenções, têm, por vezes, abordagens bastante canhestras em suas relações interpessoais, podendo "o tiro sair pela culatra".

quinta-feira, março 02, 2006

OS TRÊS DRAMAS

O homem da Antigüidade, o da Idade Média e o da Idade Moderna enfrentaram três diferentes dramas, todos passíveis de ser convertidos em tragédia.
O homem da Antigüidade pode decidir, mas não leva. Seu inimigo é o Destino. Édipo Rei é a mais famosa representação disso. O oráculo profetiza que Édipo está fadado a matar o pai e coabitar com a mãe. Édipo decide não fazê-lo e abandona a casa de quem pensa serem seus pais, no que se engana, pois havia sido adotado. Numa encruzilhada encontra Laio, que não sabe ser seu verdadeiro pai. Altercam-se. Laio é morto na refrega. Após algumas peripécias, casa com Jocasta, sua mãe, viúva de Laio. Decidiu, mas não levou.
O da Idade Média pode levar, mas não decide. Seu inimigo é o Pecado. A Divina Comédia é a mais exaltada representação disso. O homem que cai em pecado deverá enfrentar, para a eternidade, as agruras do inferno. Se mantém pureza, pode chegar ao céu, mas o que seja ou não pecado não é decidido por ele. Pode levar, mas não decide.
O da Idade Moderna pode decidir e levar, mas seu drama, embora solúvel, não é menor. Aqui também há que se enfrentar – e vencer – um inimigo: o estreitamento da consciência, o não querer ver. Hamlet é a mais acabada representação disso. O fantasma do pai do príncipe Hamlet denuncia a esse último que fora assassinado por Cláudio, irmão do morto. Hamlet não se debate com o Destino, nem com o Pecado, mas sim com a dor de expandir a própria consciência, reconhecendo a sórdida trama, de que participara sua mãe e devendo, por isso, executar a vingança que tal reconhecimento exigiria. Para uma leitura superficial, a peça gira em torno da morte do pai de Hamlet; para um olhar mais profundo, gira em torno do “ser ou não ser”, a vida ou morte, só possível após a Idade Moderna, do indivíduo completo, representado por Hamlet.
Será mera coincidência que, na peça, também Hamlet seja o nome do pai morto? Duvido.

terça-feira, fevereiro 28, 2006

LAICIDADE CONSTITUCIONAL

(Resposta a Thiago Balat, que me perguntou sobre a possibilidade de lhe fornecer algum material sobre “laicismo constitucional”, seja, a separação, estatuída pela Constituição de um Estado, entre esse último e a Igreja.)

Thiago, fui, durante muitos anos, professor em nível universitário. Para meu gosto, as melhores monografias não são uma mera “colcha de retalhos” de informações, mas organizam essas últimas segundo uma idéia rectora. Se eu fosse escolher uma para a sua, eu escolheria: “Quem tem medo, tem fé; quem não tem, tem crítica”. Pois bem: embora haja medos – em um paciente paranóico, por exemplo – de natureza delirante, sem qualquer base na realidade, via de regra o medo de um sujeito, de um grupo social ou de toda uma sociedade, varia de forma diretamente proporcional a sua sensação de impotência frente aos perigos que o ameaçam. Quando esse medo é maior, recorre-se à fé; quando menor, à critica. Por razões que poderemos posteriormente aprofundar, as últimas décadas da Idade Média presenciaram um aumento da sensação de potência no homem europeu que, como uma água que esquenta e, de repente, ferve, arrebentou no Renascimento, que deslocou o homem da ênfase de servir a Deus, para a ênfase em servir a si mesmo, deslocamento condensado na frase “o ser humano é a medida de todas as coisas”. Mas o Renascimento foi, sobretudo, o deslocamento da “meta” do empreendimento humano. Dois passos, não obstante, ainda seriam fundamentais, no processo ali iniciado, para que devidamente se estatuísse o novo “instrumento” a implementá-la.
O primeiro desses passos, separar “assuntos humanos” de “assuntos divinos”, teve nítida e vigorosa aparição em 1520, com a publicação de “DISCURSO À NOBREZA CRISTà DA NAÇÃO ALEMÔ, de Martinho Lutero, onde o autor defende que os assuntos humanos devem ser decididos mediante os ditames do “bom senso” e os divinos, segundo os da fé. Estava apontado o caminho para o Iluminismo[1]: mal fora enunciado esse “tratado de Tordesilhas epistemológico” entre “assuntos humanos” e “assuntos divinos” (tratado re-escrito, cem anos depois, por Descartes, como a distinção entre res cogitans e res extensa), e começam a espocar obras que são monumentos à aplicação da crítica, não da fé, à compreensão do mundo: Copérnico – De Revolutionibus Orbium Celestium (1543) – Vesalius – De Humani Corporis Fabrica (1543) – Gilbert – De Magnete Magneticisque Corporibus (1600) – Kepler – Astronomia Nova (1609) e Harmonices Mundi (1619) – Harvey – Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus (1628) – Galileu – Dialogo ... Sopra i Due Massime Sistemi del Mondo Tolemaico e Copernicano (1632) – Boyle – The Sceptical Chymist: or Chymico-Physical Doubts & Paradoxes (1661) – Newton – Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687). Essas obras-primas da razão humana prepararam o caminho para que fosse dado o segundo dos referidos passos (que, na verdade, já havia sido bem ensaiado por Francis Bacon, em seu Of the Proficiency and Advancement of Learning, Divine and Humane, de 1605): esse segundo passo foi o surgimento, ao longo do século XVIII, do que, em português, se convencionou chamar de Iluminismo (Em francês, por exemplo, “Illuminisme” significa algo bem diverso), que tratou, através de trabalhos como os de Bayle – Dictionaire Historique et Critique (1697) – Diderot – Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers (1751-1772) – Voltaire – Dictionnaire Philosophique Portatif (1764) – e Kant – Kritik der reinen Vernunft (1781) – de polir as justificações filosóficas para o tipo de pensamento crítico que deram origem, durante os anos seiscentos, às obras primas que acabamos de listar. Enfim, trezentos anos depois de ter sido proposto, o Tratado de Tordesilhas epistemológico de Lutero já havia: (1) demonstrado a avassaladora capacidade produtiva do pensamento crítico e (2) encontrado fundamentação filosófica para esse último.
Em seu conjunto, o processo descrito acima pode ser assim resumido: (1) sucesso humano em lidar com o ambiente, produzindo bem-estar e riqueza, (2) aumento de auto-confiança e conseqüente diminuição do medo, (3) aumento de aplicação da atividade crítica – o que implica laicidade – às áreas cuja “compreensão” dependia anteriormente do recurso à autoridade e à fé. Chegamos ao problema da laicidade constitucional. É evidente que o abocanhamento pelo pensamento crítico, para sua análise, de áreas anteriormente dominadas pela fé foi resultado de uma luta de poder: as guerras religiosas que se seguiram à Reforma foram um sangrento testemunho disso. Ganhou a separação luterana entre “assuntos humanos” e “assuntos divinos”. Ora, como todo sistema jurídico não faz mais do que cristalizar, sob forma de lei, as relações de poder que tipificam um determinado momento histórico (outras explicações são blá, blá, blá), TAL PROCESSO TEVE COMO EPIFENÔMENO O APARECIMENTO DE CONSTITUIÇÕES QUE SEPARAVAM AS ESFERAS DE AÇÃO DA IGREJA E DO ESTADO.
É verdade que “quem nunca comeu melado, quando come se lambuza” e o Iluminismo ficou tão eufórico com o descobrimento do poder crítico da mente humana, que começou a fazer bobagens como a de, à época da Revolução Francesa, passearem pelas ruas de Paris uma estátua da Deusa Razão e, mais tarde, o anti-religioso Auguste Comte cometeu a insanidade de construir um Templo da Razão. Como dizia, Oscar Wilde: “os remédios dos homens acabam sempre contaminados pelas doenças que pretendem curar”.
Valeria acrescentar a tudo isso uma pitada de Haeckel, por sua afirmação de que todo processo evolutivo implica três elementos: crescimento, diferenciação e integração das partes diferenciadas. Mas isso fica para outro papo, inclusive porque Haeckel não conhecia os japoneses e passaria pelo perigo de concluir que, sendo a válvula maior do que o transistor e esse último do que o “chip”, a válvula era a mais “evoluída” dos três.
Em tempo: quando Freud, no fim do século XIX para o seguinte, resolveu aplicar à res cogitans o mesmo tipo de pensamento crítico que, marcadamente a partir de Copérnico e de Vesalius, passou a ser aplicar à res extensa, todas as forças anti-iluministas foram de novo mobilizadas para impedir esse novo avanço da razão. Como afirmou Galileu: “Acredito que não haja maior ódio, nesse mundo, do que o da ignorância em relação ao saber”.
[1] “There is ... some tendency among historians of the Western culture to use ‘Age of Reason’ for the seventeenth and eighteenth centuries together, and to confine ‘Enlightenment’ [ correspondente ingles do português “Iluminismo’ ] to the eighteenth century, when the characteristic ideas and attitudes of rationalism had spread from a small group of advanced thinkers to a relatively large educated public.” BRINTON, Crane. “Enlightenment”, in: EDWARDS, Paul (ed.). The Encyclopedia of Philosophy. New York: Macmillan, 1967.