Mandaram-me um imeil dizendo que quem se importa com os pobres, como os católicos, deve votar no Lula. Quero comentar isso.
O sucesso de um programa social não é medido por quantas pessoas ENTRAM nele, mas por quantas SAEM dele. A política econômica do Lula é uma verdadeira catástrofe (estou dizendo que é uma CATÁSTROFE, não estou dizendo que ela é MAL INTENCIONADA), que vai, a médio prazo, fazer que cada vez mais pessoas ENTREM em programas sociais e cada vez menos SAIAM deles. O que essa política econômica tem de bom – o controle da inflação – não passa de uma CÓPIA descarada da política de FCH, que também já não era nenhuma glória, porque se sustentou à custa de juros altos e não de um vigoroso corte de gastos públicos. Um dos lados mais catastróficos da política econômica do Lula é a confusão que ele faz entre ele mesmo e o Mercosul, fantasiando que essa união de nanicos pode ter trajetória tão gloriosa quanto a dele, desafiando com sucesso países ricos (e, portanto, MAUS) e poderosos. O resultado disso está sendo que Uruguai, Paraguay etc. estão começando a atropelar a megalomania lulista e a fazer acordos bilaterais com os membros do G-8, comprando deles O QUE ANTERIORMENTE COMPRAVAM DE NÓS e vendendo a eles O QUE ANTERIORMENTE LHES VENDIAMOS NÓS. Essa política é tão estúpida que algumas de nossas industrias têxteis já estão considerando transferir-se para o Chile, Uruguay, Paraguay etc. PARA PODER CONTINUAR A VENDER! O que, no Brasil, irá gerar desemprego e queda da receita fiscal, permitindo que Lula e seus bondosos católicos tenham MAIS POBRES para ENTRAR em seus programas sociais, cuja cesta básica TAMBÉM FICARÁ MAIS POBRE, até que cada família-mendigo tenha mensalmente direito a três grãos de arroz e dois de feijão...
Em tempo: Votei no Lula na última eleição e jamais fiquei tão realizado com meu voto. E disse aos que me perguntaram o porquê: "Porque a única forma de arrancar a fantasia de santidade do PT é sentar o rabo do Lula na cadeira de presidente".
Eu poderia estar mais satisfeito?
sexta-feira, setembro 15, 2006
terça-feira, agosto 01, 2006
CITAÇÕES PREFERIDAS V
"COM LAMENTÁVEL FREQÜÊNCIA, UMA INSTITUIÇÃO NÃO PASSA DE UMA INFLAMAÇÃO QUE SE DESENVOLVE EM TORNO DE UMA IDÉIA PARA ACABAR COM ELA" (Luís César Ebraico)
segunda-feira, junho 26, 2006
CITAÇÕES PREFERIDAS IV
"Dentro de qualquer abismo ainda trago comigo a benção de minha auto-afirmação." (Nietzsche)
CITAÇÕES PREFERIDAS III
"A crítica arrancou as flores que enfeitavam os grilhões não para que o homem os carregue sem esperança ou consolo, mas para que os rompa e se aposse da flor viva." (Karl Marx)
CITAÇÕES PREFERIDAS II
"O que se concebe bem
Se enuncia claramente
E as palavras para dizê-lo
Vêm facilmente." (Boileau)
Se enuncia claramente
E as palavras para dizê-lo
Vêm facilmente." (Boileau)
segunda-feira, junho 12, 2006
O "CONTEXTO DE FORMULAÇÃO" NA ATIVIDADE CIENTÍFICA
Desde o início do século XX, principalmente como resultado das contribuições de pensadores afiliados à chamada Filosofia da Linguagem[1] (Ludwig Wittgenstein, Bertrand Russell etc.) e ao Círculo de Viena[2] (Moritz Schilick, Rudolf Carnap etc.) que, no trabalho de produção científica, se soe diferençar “contexto de descoberta”, “contexto de validação” e “contexto de aplicação”, caracterizando-se o primeiro por seu desregramento (cf., por exemplo, o conceito de serendipity[3]) e os demais, por um conjunto extremamente exigente de regras que – internacionalmente reconhecidas – norteiam a fiscalização intersubjetiva das (1) coerência lógica e empírica e (2) da eficácia operacional de um determinado saber. A crescente importância das chamadas “ciências sociais” ou “humanas” vem revelando a necessidade de que se reconheça a autonomia e extrema relevância de um QUARTO CONTEXTO de produção científica, o “contexto de formulação”.
E por quê? Porque no âmbito das ciências “não humanas”, a descoberta científica, logo ao ser feita, já vem, via de regra, formulada em termos tão pouco ambíguos, que, se, no contexto de descoberta, foi proposto que e = mc², podemos de pronto passar para os contextos de validação e de aplicação sem grande perigo de estarmos testando a validade ou passando a aplicar algo bem diverso do que o que a descoberta original pretendera veicular. Isso em grande parte se deve ao fato de as descobertas da Matemática, da Física, da Química e quejandas, mesmo ao nascer, já são formuladas em termos que pertencem (veja-se, por exemplo: “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”) quase que exclusivamente ao ambiente científico em que foram produzidas, estando esses termos, portanto, muito pouco contaminados pelos significados que lhes atribuiria uma exegese vulgar.
Algo bastante diverso ocorre no âmbito das ciências humanas. Com efeito, essas ciências, sejam puras ou aplicadas, tendem a formular suas proposições empregando vocábulos retirados de nosso linguajar cotidiano, mas dando-lhes sentido diverso e exigindo, dessarte, um especial esforço para que se possa escoimá-los de sua conotação popular, evitando, mediante isso, dentro do próprio contexto científico, ou na interface desse contexto com o restante da sociedade, sérias distorções na transmissão das informações.
Exemplifico. Se, no jargão jurídico, afirmo que um determinado juiz é “incompetente” para julgar determinada matéria, estarei afirmando que ele não conhece o assunto? É óbvio que não. Estou simplesmente afirmando que tal matéria está fora de sua jurisdição. Mas tal obviedade só existe para aquele cujo conhecimento da língua, previamente formatado pela semântica vocabular cotidiana, foi capaz de escapar dessa formatação e reconhecer na “incompetência” daquele juiz um significado técnico que escapa de todo à exegese vulgar...
Outro exemplo. Em um dicionário que lista o SIGNIFICADO COMUM das palavras de nosso léxico, “reprimir” significa “sustar a ação ou movimento de”[4]. Ora, em qualquer bom dicionário ESPECIALIZADO de Psicanálise, “reprimir” significa “impedir a representação verbal de algum fragmento de nossa experiência”! O fato de que o significado técnico-psicanalítico do termo “repressão” foi, no entendimento popular, substituído por seu significado comum destruiu de todo a utilidade da afirmação freudiana de que “repressão causa neurose”, dando, bem ao contrário, origem a catastróficas abordagens pedagógicas que, dizendo-se de “inspiração psicanalítica”, propuseram que se desse às crianças, em vez da liberdade verbal de fato proposta por Freud, uma liberdade de ação que produziu uma geração de monstrinhos... E isso com a cumplicidade de um establishment psicanalítico que, ao arrepio das considerações acima, não fez adequadamente o dever de casa de esclarecer o significado técnico preciso dos termos e proposições da teoria que pretende empregar!
Nas ciências humanas, por sua vocação para, na formulação de seus preceitos e hipóteses, adotar termos já prenhos de significados “não técnicos”, tal explicitação é essencial. Esse é um “dever de casa” que as chamadas “ciências humanas” estão cumprindo muito mal.
[1] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & SELLARS, W. (eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949, passim.
[2] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & BRODBECK, M. (eds.). Readings in the Philosophy of Science. New York: Appleton-Century-Crofts, 1953, passim.
[3] Que os ingleses definem como “the natural ability to make interesting or valuabe discoveries by accident”.
[4] Holanda, A. B. de. Novo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
E por quê? Porque no âmbito das ciências “não humanas”, a descoberta científica, logo ao ser feita, já vem, via de regra, formulada em termos tão pouco ambíguos, que, se, no contexto de descoberta, foi proposto que e = mc², podemos de pronto passar para os contextos de validação e de aplicação sem grande perigo de estarmos testando a validade ou passando a aplicar algo bem diverso do que o que a descoberta original pretendera veicular. Isso em grande parte se deve ao fato de as descobertas da Matemática, da Física, da Química e quejandas, mesmo ao nascer, já são formuladas em termos que pertencem (veja-se, por exemplo: “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”) quase que exclusivamente ao ambiente científico em que foram produzidas, estando esses termos, portanto, muito pouco contaminados pelos significados que lhes atribuiria uma exegese vulgar.
Algo bastante diverso ocorre no âmbito das ciências humanas. Com efeito, essas ciências, sejam puras ou aplicadas, tendem a formular suas proposições empregando vocábulos retirados de nosso linguajar cotidiano, mas dando-lhes sentido diverso e exigindo, dessarte, um especial esforço para que se possa escoimá-los de sua conotação popular, evitando, mediante isso, dentro do próprio contexto científico, ou na interface desse contexto com o restante da sociedade, sérias distorções na transmissão das informações.
Exemplifico. Se, no jargão jurídico, afirmo que um determinado juiz é “incompetente” para julgar determinada matéria, estarei afirmando que ele não conhece o assunto? É óbvio que não. Estou simplesmente afirmando que tal matéria está fora de sua jurisdição. Mas tal obviedade só existe para aquele cujo conhecimento da língua, previamente formatado pela semântica vocabular cotidiana, foi capaz de escapar dessa formatação e reconhecer na “incompetência” daquele juiz um significado técnico que escapa de todo à exegese vulgar...
Outro exemplo. Em um dicionário que lista o SIGNIFICADO COMUM das palavras de nosso léxico, “reprimir” significa “sustar a ação ou movimento de”[4]. Ora, em qualquer bom dicionário ESPECIALIZADO de Psicanálise, “reprimir” significa “impedir a representação verbal de algum fragmento de nossa experiência”! O fato de que o significado técnico-psicanalítico do termo “repressão” foi, no entendimento popular, substituído por seu significado comum destruiu de todo a utilidade da afirmação freudiana de que “repressão causa neurose”, dando, bem ao contrário, origem a catastróficas abordagens pedagógicas que, dizendo-se de “inspiração psicanalítica”, propuseram que se desse às crianças, em vez da liberdade verbal de fato proposta por Freud, uma liberdade de ação que produziu uma geração de monstrinhos... E isso com a cumplicidade de um establishment psicanalítico que, ao arrepio das considerações acima, não fez adequadamente o dever de casa de esclarecer o significado técnico preciso dos termos e proposições da teoria que pretende empregar!
Nas ciências humanas, por sua vocação para, na formulação de seus preceitos e hipóteses, adotar termos já prenhos de significados “não técnicos”, tal explicitação é essencial. Esse é um “dever de casa” que as chamadas “ciências humanas” estão cumprindo muito mal.
[1] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & SELLARS, W. (eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949, passim.
[2] Cf., por exemplo, FEIGL, H. & BRODBECK, M. (eds.). Readings in the Philosophy of Science. New York: Appleton-Century-Crofts, 1953, passim.
[3] Que os ingleses definem como “the natural ability to make interesting or valuabe discoveries by accident”.
[4] Holanda, A. B. de. Novo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
quarta-feira, maio 31, 2006
NOTAS FILOSÓFICAS (IX): O SUPOSTO CETICISMO CIENTÍFICO.
Tenho verificado a freqüência com que internautas fazem a equivocada afirmação de que o cientista é necessariamente "cético". Estão usando o termo de maneira excessivamente frouxa. Há significativo consenso, na nomenclatura filosófica, sobre que esse termo deve ser aplicado àqueles que consideram "impossível decidir sobre a verdade ou falsidade de uma proposição qualquer", o que, evidentemente, não é o caso do cientista.
domingo, março 12, 2006
MEMBROS, ÓRGÃOS E PESSOAS
Foi-me feito, via ORKUT, o seguinte QUESTIONAMENTO: "Boa noite, Luiz Cesar. Gostaria de saber a sua opinião sobre a humanização Hospitalar!!! Em relação a estudantes que tentam levar um pouco mais de alegria aos hospitais!!! Abraços."
RESPOSTA: No meu entender, já é hora, na esteira do trabalho de Elisabeth Kübler-Ross, de começar a se reconhecer que um paciente com câncer no fígado, não é UM FIGADO, mas, sim, uma PESSOA com câncer no fígado. Certos médicos têm tanta alergia a gente que, ao lhes dizer que você gostaria de fazer uma consulta porque está com, digamos, uma forte dor nos joelhos, se esses médicos pudéssem, responderiam: "Pois não! Por favor, envie-me, o mais rápido possível, seus joelhos por SEDEX e logo terá um retorno"! Reconhecendo a existência endêmica dessa alergia, algumas instituições ligadas à formação médica e ao exercício da medicina, já estão tomando algumas providências. A Universidade de Harvard, por exemplo, tornou LITERATURA uma cadeira OBRIGATÓRIA dos primeiros anos do currículo médico, currículo que, no que diz respeito a 'rapport', só tem sido satisfatório, até agora, para a formação de médicos legistas. Esse reconhecimento de que o paciente não é apenas um fígado, dois pulmões, dois rins, um estômago, dois joelhos etc., mas que esses órgãos e membros ESTÃO EM UMA PESSOA QUE SOFRE, já está começando - aleluia! - além disso, a abrir as portas dos hospitais e clínicas não só para estudantes, mas também para profissionais - aqui no Rio, por exemplo, um grupo profissional de palhaços vinha fazendo um trabalho voluntário no setor infantil de nosso Hospital do Câncer, produzindo significativo alívio na dor e, por vezes mesmo, trazendo progressos ao tratamento físico daqueles pequenos e sofridos pacientes. Esses profissionais e estudantes, como no exemplo que acabo de aduzir, não necessariamente têm que pertencer à área psi. Acho, contudo, que o contato com os pacientes de tais profissionais e estudantes deve ser supervisionado por um psicólogo, já que pessoas estranhas à nossa área, embora cheias de boas intenções, têm, por vezes, abordagens bastante canhestras em suas relações interpessoais, podendo "o tiro sair pela culatra".
RESPOSTA: No meu entender, já é hora, na esteira do trabalho de Elisabeth Kübler-Ross, de começar a se reconhecer que um paciente com câncer no fígado, não é UM FIGADO, mas, sim, uma PESSOA com câncer no fígado. Certos médicos têm tanta alergia a gente que, ao lhes dizer que você gostaria de fazer uma consulta porque está com, digamos, uma forte dor nos joelhos, se esses médicos pudéssem, responderiam: "Pois não! Por favor, envie-me, o mais rápido possível, seus joelhos por SEDEX e logo terá um retorno"! Reconhecendo a existência endêmica dessa alergia, algumas instituições ligadas à formação médica e ao exercício da medicina, já estão tomando algumas providências. A Universidade de Harvard, por exemplo, tornou LITERATURA uma cadeira OBRIGATÓRIA dos primeiros anos do currículo médico, currículo que, no que diz respeito a 'rapport', só tem sido satisfatório, até agora, para a formação de médicos legistas. Esse reconhecimento de que o paciente não é apenas um fígado, dois pulmões, dois rins, um estômago, dois joelhos etc., mas que esses órgãos e membros ESTÃO EM UMA PESSOA QUE SOFRE, já está começando - aleluia! - além disso, a abrir as portas dos hospitais e clínicas não só para estudantes, mas também para profissionais - aqui no Rio, por exemplo, um grupo profissional de palhaços vinha fazendo um trabalho voluntário no setor infantil de nosso Hospital do Câncer, produzindo significativo alívio na dor e, por vezes mesmo, trazendo progressos ao tratamento físico daqueles pequenos e sofridos pacientes. Esses profissionais e estudantes, como no exemplo que acabo de aduzir, não necessariamente têm que pertencer à área psi. Acho, contudo, que o contato com os pacientes de tais profissionais e estudantes deve ser supervisionado por um psicólogo, já que pessoas estranhas à nossa área, embora cheias de boas intenções, têm, por vezes, abordagens bastante canhestras em suas relações interpessoais, podendo "o tiro sair pela culatra".
quinta-feira, março 02, 2006
OS TRÊS DRAMAS
O homem da Antigüidade, o da Idade Média e o da Idade Moderna enfrentaram três diferentes dramas, todos passíveis de ser convertidos em tragédia.
O homem da Antigüidade pode decidir, mas não leva. Seu inimigo é o Destino. Édipo Rei é a mais famosa representação disso. O oráculo profetiza que Édipo está fadado a matar o pai e coabitar com a mãe. Édipo decide não fazê-lo e abandona a casa de quem pensa serem seus pais, no que se engana, pois havia sido adotado. Numa encruzilhada encontra Laio, que não sabe ser seu verdadeiro pai. Altercam-se. Laio é morto na refrega. Após algumas peripécias, casa com Jocasta, sua mãe, viúva de Laio. Decidiu, mas não levou.
O da Idade Média pode levar, mas não decide. Seu inimigo é o Pecado. A Divina Comédia é a mais exaltada representação disso. O homem que cai em pecado deverá enfrentar, para a eternidade, as agruras do inferno. Se mantém pureza, pode chegar ao céu, mas o que seja ou não pecado não é decidido por ele. Pode levar, mas não decide.
O da Idade Moderna pode decidir e levar, mas seu drama, embora solúvel, não é menor. Aqui também há que se enfrentar – e vencer – um inimigo: o estreitamento da consciência, o não querer ver. Hamlet é a mais acabada representação disso. O fantasma do pai do príncipe Hamlet denuncia a esse último que fora assassinado por Cláudio, irmão do morto. Hamlet não se debate com o Destino, nem com o Pecado, mas sim com a dor de expandir a própria consciência, reconhecendo a sórdida trama, de que participara sua mãe e devendo, por isso, executar a vingança que tal reconhecimento exigiria. Para uma leitura superficial, a peça gira em torno da morte do pai de Hamlet; para um olhar mais profundo, gira em torno do “ser ou não ser”, a vida ou morte, só possível após a Idade Moderna, do indivíduo completo, representado por Hamlet.
Será mera coincidência que, na peça, também Hamlet seja o nome do pai morto? Duvido.
O homem da Antigüidade pode decidir, mas não leva. Seu inimigo é o Destino. Édipo Rei é a mais famosa representação disso. O oráculo profetiza que Édipo está fadado a matar o pai e coabitar com a mãe. Édipo decide não fazê-lo e abandona a casa de quem pensa serem seus pais, no que se engana, pois havia sido adotado. Numa encruzilhada encontra Laio, que não sabe ser seu verdadeiro pai. Altercam-se. Laio é morto na refrega. Após algumas peripécias, casa com Jocasta, sua mãe, viúva de Laio. Decidiu, mas não levou.
O da Idade Média pode levar, mas não decide. Seu inimigo é o Pecado. A Divina Comédia é a mais exaltada representação disso. O homem que cai em pecado deverá enfrentar, para a eternidade, as agruras do inferno. Se mantém pureza, pode chegar ao céu, mas o que seja ou não pecado não é decidido por ele. Pode levar, mas não decide.
O da Idade Moderna pode decidir e levar, mas seu drama, embora solúvel, não é menor. Aqui também há que se enfrentar – e vencer – um inimigo: o estreitamento da consciência, o não querer ver. Hamlet é a mais acabada representação disso. O fantasma do pai do príncipe Hamlet denuncia a esse último que fora assassinado por Cláudio, irmão do morto. Hamlet não se debate com o Destino, nem com o Pecado, mas sim com a dor de expandir a própria consciência, reconhecendo a sórdida trama, de que participara sua mãe e devendo, por isso, executar a vingança que tal reconhecimento exigiria. Para uma leitura superficial, a peça gira em torno da morte do pai de Hamlet; para um olhar mais profundo, gira em torno do “ser ou não ser”, a vida ou morte, só possível após a Idade Moderna, do indivíduo completo, representado por Hamlet.
Será mera coincidência que, na peça, também Hamlet seja o nome do pai morto? Duvido.
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