domingo, janeiro 29, 2006

NOTAS FILOSÓFICAS (VIII): PLATÃO E A JUSTIÇA

Antes de nos debruçarmos sobre o conteúdo específico das teses de Platão sobre a justiça, vale considerar o papel que ele atribuía a essa última dentro de seu sistema de filosófico. Esse papel é único: na verdade, como acentua ABBAGNANO[1], se a sabedoria ocupa, dentro desse sistema, posição mais alta do que o mero saber, isso se deve a que só ela é considerada capaz de permitir a realização da justiça, considerada o fim último da práxis filosófica. RENÉ SÈVE reforça as considerações de ABBAGNANO: afirma que o fato de que “dans la tradition occidentale, l’approche la plus courante de la justice fait de celle-ci la vertu morale principale”[2] tem sua origem no Livro IV de A República, onde, ao estudar a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça – virtudes que, a partir de TOMÁS DE AQUINO, passarão a ser chamadas de “cardinais” – considera-se essa última como a verdadeira fonte de todas as outras e a causa de seu equilíbrio recíproco.
Posto o privilegiado lugar da justiça dentro do edifício teórico de Platão, vale detalhar algumas das teses principais desse último relativamente à natureza daquela, quais sejam:
1) A justiça ocorre em duas dimensões: a da relação de um indivíduo com os demais e a da relação de um indivíduo consigo mesmo;
2) Indivíduo Ideal é o indivíduo que mantém a justiça entre as partes que o compõem – a razão, a vontade e o desejo – sendo entendida essa justiça como a obediência do desejo à vontade e dessa última à razão;
3) O Estado Ideal é o estado que mantém a justiça na relação entre suas três classes – os sábios (= a razão), os militares (= a vontade) e os trabalhadores (= o desejo) – sendo entendida essa justiça como a obediência dos trabalhadores aos militares e a desses últimos aos sábios;
Se fôssemos esboçar algum tipo de crítica à visão platônica da justiça, começaríamos nossas considerações a partir dos comentários de GILBERT RYLE: “Just as in his political thinking Plato sometimes treats the working class as a deplorable necessity, so in his ethical thinking he is inclined to treat our impulses and desires in similar fashion.”[3] Como sustenta BERTRAND RUSSELL, em sua História da Filosofia Ocidental[4], a noção platônica de justiça parece adequar-se muito pouco à organização de um sistema político de natureza democrática.
[1] ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de Filosofía. México: Fondo de Cultura Económica, 1963, p. 917.
[2] JACOB, André (org.). Encyclopédie Philosophique Universelle. Paris: PUF, 1990, vol. I, p. 1046.
[3] EDWARDS, Paul (ed.). The Encyclopedia of Philosophy. New York: Macmillan, vol. VI, p. 330.
[4] RUSSELL, B. Op. cit., vol. I, p. 132-137, passim.

Nenhum comentário: